Antônio Braga da Silva
Júnior[1]
A intensificação das
relações terceirizadas no Brasil, em especial daquelas tendentes a substituir
indevidamente os empregados efetivos na atividade principal da empresa, preocupa
também quem acompanha questões relativas à saúde e à segurança do trabalho no
país. Conforme se observa das ações promovidas pela Auditoria-Fiscal do
Trabalho em diversos setores econômicos produtivos nos últimos anos, os
empregados terceirizados são aqueles mais suscetíveis a acidentes de trabalho. E
os motivos para essa maior suscetibilidade constituem o cerne deste breve
artigo.
A Petrobrás, importante
multinacional brasileira, mostra-se como ícone desse avanço da terceirização no
mercado de trabalho. Segundo dados dos relatórios anuais divulgados pela
própria estatal, em 2006 estavam em exercício 62.266 empregados efetivos
comparados a 176.810 empregados terceirizados – curiosamente denominados de
“empregados de prestadoras de serviço”. No ano de 2013, conforme últimos dados
publicados, os números indicavam 86.111 efetivos e 360.180 terceirizados, num
espantoso percentual de 80,7% de trabalhadores terceirizados.[2]
E, paralelo aos números empregatícios, apresentam-se
os dados de fatalidades em acidentes de trabalho na Petrobrás, a evidenciar a
tendência deletéria da intermediação de mão de obra no ambiente laboral. Em 2009, por exemplo, envolveu-se em acidente
fatal 1 empregado efetivo da empresa, a uma taxa de 0,13 óbitos para cada grupo
de 10.000, enquanto houve 6 mortes de terceirizados, a uma taxa de 0,20. Já em
2012, dos 13 acidentes fatais ocorridos, todos eles envolveram empregados
terceirizados, a uma taxa de 0,36 mortes para cada grupo de 10.000
terceirizados.[3]
No mesmo sentido são as pesquisas envolvendo o setor
elétrico brasileiro[4] nos anos
de 2003 a 2011. Dados desse setor demonstram que, dos 80 acidentes fatais ocorridos
em 2003, 66 deles ceifaram a vida de trabalhador terceirizado, a uma absurda taxa
de 16,6 acidentes fatais para cada grupo de 10.000 empregados terceirizados,
enquanto a taxa envolvendo empregados contratados diretamente pelo tomador dos
serviços era de 1,4 ocorrências para cada grupo de 10.000. No ano de 2011 o
cenário não se modificou, já que dos 79 acidentes fatais ocorridos no setor, 61
referem-se a trabalhador terceirizado, gerando uma taxa de 4,4 de acidentes
fatais de terceirizados para cada grupo de 10.000 comparado a uma taxa de 1,6 ocorrências
envolvendo empregados efetivos [5].
E não se mostra difícil encontrar as razões – ou pelo
menos parte delas – para se compreender a repercussão prejudicial da
Terceirização na saúde e segurança do trabalhador. Conforme se depreende do
aparato normativo atinente ao ambiente laboral[6],
existem diversos procedimentos e programas a serem seguidos pelo empregador com
o fim de prevenir gravames à saúde e à integridade física do empregado. Dentre
eles destacam-se o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em
Medicina do Trabalho – SESMT, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes –
CIPA, o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO e, ainda, o
Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, todos objetos de Normas
Regulamentadoras – NR específicas editadas no âmbito do Ministério do Trabalho
e Emprego – MTE.
Esses procedimentos e programas são naturalmente
elaborados e acompanhados pelo empregador possuidor e responsável pelas diversas
instalações existentes no ambiente de trabalho, tendo por base os conhecidos métodos
produtivos e a constituição da sua equipe profissional. É dizer, aquele que idealizou,
constituiu e que mantém o ambiente laboral é quem possui condições práticas de elaborar
e acompanhar de forma efetiva e realista os procedimentos e programas de saúde
e segurança, por estar familiarizado com as instalações que compõem o cenário sobre
o qual se dá a prestação laboral.
Nesse contexto, em casos de Terceirização de serviços,
nota-se que os trabalhadores adentram como verdadeiros estranhos ao ambiente de trabalho da empresa contratante, muitas
vezes trazendo consigo métodos de trabalho e funções diferenciadas em relação
aos empregados efetivos. Frequentemente enfrentam jornadas exaustivas para
compensar, com sua produtividade, as péssimas condições salariais. Obstam
inclusive uma programação eficiente de controle de riscos a longo prazo, haja
vista a rotatividade da mão de obra terceirizada, contrariando o planejamento
prévio necessário para a elaboração dos procedimentos e programas de saúde e
segurança.
Não se olvide que, nos termos das Normas
Regulamentadoras n.os 04, 05, 07 e 09 do MTE, em caso de Terceirização
de serviços, a empresa contratante e a contratada que atuam num mesmo
estabelecimento deverão elaborar e implementar, de forma integrada, os
procedimentos e programas referentes à saúde e segurança do trabalho. Portanto,
na teoria, a empresa contratante deverá adotar medidas necessárias para que as
empresas contratadas recebam as informações sobre os riscos existentes nos
ambientes de trabalho, a fim de viabilizar a elaboração, em conjunto, desses
projetos.
Na prática, contudo, as empresas terceirizadas não reúnem
condições técnicas para uma gestão adequada da segurança e saúde ocupacional.
Isso porque, como dito, não possuem ciência, com a objetividade e a
profundidade necessárias, das peculiaridades das instalações e da organização
produtiva da empresa contratante, já que inserem seus trabalhadores como
estranhos no ambiente laboral constituído e controlado pela empresa tomadora
dos serviços. Ademais, essas empresas prestadoras de serviço não estabelecem um
sistema eficiente de comunicação e de troca de informações entre si, em razão
da diversificação de empregadores intermediários na organização empresarial.
São incapazes de manter a capacitação dos empregados, em decorrência da alta
rotatividade da mão de obra terceirizada. Em regra não possuem, ainda,
condições financeiras para manter os altos custos que envolvem o planejamento
prévio e a execução de medidas de controle dos riscos no ambiente de trabalho.
Em que pese a notável repercussão prejudicial da
Terceirização no gerenciamento de ações de proteção da saúde e da segurança do trabalhador,
nota-se que essa lamentável tendência de intermediação de mão de obra nas
atividades produtivas possui um fundamento bastante definido: as empresas de
médio e grande porte estão terceirizando o risco da produção, a fim não apenas
de reduzir os custos ordinários da mão de obra, mas também de se livrar dos
ônus trabalhistas, previdenciários, civis e quiçá penais que envolvem a falta
de segurança no ambiente de trabalho.
A Terceirização do risco
evidencia-se no cotidiano das empresas produtoras por meio da inserção de
pequenas outras empresas no ciclo produtivo. Concretamente e a título meramente
exemplificativo, é possível citar o caso de multinacionais montadoras de
veículos instaladas no sudeste do país, que via de regra “contratam” pequenas
metalúrgicas para o fornecimento exclusivo de autopeças detalhadamente
encomendadas – fabricadas em tornos mecânicos, prensas e sistemas de soldagem
sem qualquer aparato de segurança –, com o declarado objetivo de diminuir os
custos da produção e de se eximir dos ônus atrelados a eventuais acidentes de
trabalho. Terceirizado o risco, limitam-se confortavelmente a realizar a
montagem nas linhas e produção e comercializar o produto final com a marca já
consolidada no mercado, ocultando a origem poluída de seus insumos de produção.
Essa temerária – porém frequente – conduta gera um
indecifrável prejuízo aos empregados, que ficam entregues à sorte de empresas financeiramente
inidôneas, manifestamente incapazes de manter os altos custos da prevenção em
saúde e segurança laboral e de arcar com eventuais indenizações por
acidentes. Gera, ainda, um enorme
passivo ao Estado, uma vez que, ao fomentar a precarização no ambiente de
trabalho, submetem um número elevado de empregados à dependência da Previdência
Social.
Portanto, cabe questionar: o postulado da liberdade de
contratação, invocado por alguns como fundamento constitucional único à defesa
da Terceirização desmedida, é capaz de conferir supedâneo à precarização dos
também constitucionais direitos à saúde, à integridade física e à vida do trabalhador?
Enfim, a discussão da repercussão
prática da Terceirização no ambiente de trabalho, instigada de forma breve por
este despretensioso artigo, visa contribuir para a elucidação, com contornos
concretos, das consequências maléficas desse instituto à saúde e segurança do
trabalhador brasileiro.
Antônio Braga
da Silva Jr é Auditor-Fiscal do Trabalho e graduado em Direito pela
Universidade de Brasília.
[1]
Antônio Braga da Silva Jr é Auditor-Fiscal do Trabalho e graduado em Direito
pela Universidade de Brasília.
[2] Números
extraídos Relatório de Sustentabilidade da Petrobrás. Ano 2013. Disponível em <http://www.petrobras.com.br/pt/sociedade-e-meio-ambiente/relatorio-de-sustentabilidade/>. Acesso em 24/07/2014.
[3] Dados
compilados a partir dos Relatórios de Sustentabilidade da Petrobrás. Anos 2010,
2011 e 2012.
Disponível em
<http://www.petrobras.com.br/pt/sociedade-e-meio-ambiente/relatorio-de-sustentabilidade/>
Acesso em 24/07/2014.
Ano
|
n.º de efetivos
|
Acidentes fatais com
efetivos
|
n.º de terceirizados
|
Acidentes fatais com terceirizados
|
2009
|
76.919
|
1
|
295.260
|
6
|
2010
|
80.492
|
3
|
291.606
|
7
|
2011
|
81.918
|
3
|
328.133
|
13
|
2012
|
85.065
|
0
|
360.372
|
13
|
[4]
SILVA, Luiz Geraldo Gomes da. Os acidentes fatais entre os trabalhadores
contratados e subcontratados do setor elétrico brasileiro. Revista da Rede de Estudos do Trabalho (UNESP), São Paulo, Ano VI,
Número 12, 2013.
[5]
Composição da força de trabalho e acidentes de trabalho fatais no setor
elétrico brasileiro. Fonte: Fundação Comitê de Gestão Empresarial, 2012.
Disponível no artigo retroreferido.
Ano
|
n.º de efetivos
|
Acidentes fatais com
efetivos
|
n.º de terceirizados
|
Acidentes fatais com
terceirizados
|
2003
|
97.399
|
14
|
39.649
|
66
|
2007
|
103.672
|
12
|
112.068
|
59
|
2011
|
108.125
|
18
|
139.043
|
61
|
[6] Artigos
155 e 200 do Capítulo V do Título II da CLT, que fundamentam a existência das
Normas Regulamentadoras relativas à Segurança e Medicina do Trabalho, editadas
de forma tripartite no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE.
Deveria ser proibido terceirizar a responsabilidade da saúde e segurança. O risco de acidentes deve ser parte integrante do risco do negócio, ou seja, não deveria ser possível dissociar o lucro da responsabilidade sobre a saúde e segurança.
ResponderExcluirSeria possível proibir a terceirização sobre atividades com periculosidade, insalubridade e penosidade? Isto já seria um grande avanço na defesa dos trabalhadores.