Lília Carvalho Finelli*
Notícias e mais notícias vêm
sendo publicadas quando se trata da terceirização. Dentro do âmbito jurídico,
já sabemos que o tema é complexo e o debate acirrado. Mas será que os motivos
para essa disputa são bem compreendidos por aqueles que serão os mais afetados
pelas decisões que estão sendo tomadas sobre o tema?
O próprio conceito de
terceirização é um pouco misterioso. Talvez quem o tenha melhor definido seja o
professor Márcio Túlio Viana, porque a vem distinguindo em duas formas bem
diferentes[1]. Em uma,
o trabalhador vira mercadoria. É alugado para prestar serviços dentro de uma
empresa, sem dela fazer parte. Na outra forma, a própria empresa é a terceira e
produz o que a principal irá utilizar.
Esses dois tipos de
terceirização são mesmo diferentes, mas suas consequências podem ser bem
próximas. Sem saber dessas diferenças, por vezes nos deparamos com argumentos
que confundem suas características. Assim, por um lado, bradam uns:
- “A terceirização é um mal,
ela diminui direitos do trabalhador porque o transforma em mercadoria. Por
isso, deve ser combatida.”
Por outro, se afirma:
- “Não! É muito boa, afinal, a
empresa não pode prestar tantos serviços assim. Tem que ter liberdade para
escolher o que quer produzir. O que não quiser, pede a outra empresa para
fazer.”
Embora concordemos com a
primeira fala, devemos nos questionar se o debate se reduz a saber quem vence
essa luta. Muito além da definição que damos à terceirização, há algo que
precisa ser compreendido. E isso é o fato de que, em grande parte, a decisão
sobre os rumos que iremos adotar para disciplinar a terceirização é política.
A política permeia tudo – mesmo
que às vezes nosso desejo seja deixar essas questões outros resolverem. Tanto a
aprovação do Projeto de Lei nº 4.330 – ao qual somos totalmente contrários, por
transformar o trabalhador em mercadoria – mas também as próprias decisões que
nosso Supremo Tribunal Federal está por tomar[2] são
posicionamentos políticos, que não envolvem apenas o Direito, e por isso vão
além das definições jurídicas que possamos dar a esse fenômeno.
Há infinitas ideias e
interesses por trás de cada posicionamento. Muitas pessoas têm um desejo
difícil: proteger de verdade o trabalhador. E outras, como é o caso de muitos
que apoiam esse projeto de lei, querem prejudicá-lo, valorizando mais o mercado
e vendo o ser humano como uma mercadoria semelhante a todas as outras; ou até
como uma máquina. Uma máquina que, aliás, reclama, faz greve, se cansa, adoece,
quer se reconhecer no fruto de seu trabalho[3]. E esses
desejos – típicos daqueles que não são máquinas – incomodam alguns.
Esse incômodo vai se
espalhando, tomando força, se transformando em ações reais: projetos de lei,
processos e até fraudes. E nos esquecemos de que há uma infinidade de maneiras de
prejudicar o trabalhador, da mesma forma que também há para ajudá-lo. Dentro
dessas últimas formas, de ajuda, está a tentativa de compreender como nosso
sistema político funciona.
A uma primeira vista, pode
parecer, com as notícias da imprensa, que o Projeto de Lei nº 4.330 é uma boa
ideia; que é único; que traz uma discussão já ultrapassada; que poderia
alavancar a economia; que não traria, na prática, grandes mudanças diante do
que já vem acontecendo.
A realidade mostra outras
faces: proposto por um deputado que defende os direitos dos empregadores, vem
circulando desde 2004 na Câmara dos Deputados, agregando mais de seis projetos
semelhantes[4].
Isso poderia indicar que nossos deputados federais – nossos representantes – o
veem com bons olhos.
No entanto, olhando por outro
lado, há mais de uma dúzia[5] de
projetos que proíbem expressamente a terceirização em diversos setores – na
saúde, nos cartórios, na limpeza e elaboração de merenda escolar, etc –, também
tramitando na mesma Casa, além de alguns outros que tentam dar mais direitos
aos terceirizados.
A maioria deles se encontra na
Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos
Deputados, diferentemente do PL nº 4.330, agora já aprovado, tamanha sua força
política e econômica perto dos demais.
Demonstrando essa diferença de
forças, em estudo sobre a relação entre o financiamento de campanha e o voto de
cada deputado no PL nº 4.330, Bruno Carazza analisa que podem existir diversas
variáveis que influenciaram nessa escolha, como a quantia recebida via doações
individuais e a fidelidade de cada representante ao que seu partido escolheu
como posicionamento correto[6].
Dessa forma, percebemos que as
ideias têm muitas frentes e são diversos os jeitos de aprovar um ponto de vista
ou outro, seja por convicção individual ou por seguir a linha coletiva. E assim
funciona também no Poder Judiciário, que julgará em breve o tema[7]. Considerando
decisões recentes, nosso Supremo Tribunal Federal vem dando indícios de que
quer colocar ponto final na questão, abrindo a possibilidade de permitir a
terceirização em todas as suas formas – o que consideramos prejudicial ao
trabalhador.
Assim, vemos que o pensamento
de flexibilizar as relações de trabalho não se restringe a um único projeto de
lei ou a apenas um processo. Vai além e abrange ainda outra possibilidade de
tratar a terceirização – quem sabe a mais efetiva? Trata-se da formação de seu
conceito pela mídia, também a serviço de interesses políticos.
Essa construção jornalística
pode ser para o bem e também para o mal. Ao mesmo tempo em que temos hoje
acesso a diversas publicações de estudiosos comprometidos com os direitos do
trabalhador, há o lado oposto. Por exemplo, mal foi noticiada a decisão do STF
que suspendeu todos os processos trabalhistas relacionados ao tema da
terceirização através dos call centers[8]. “Quem
sabe não seriam poucos esses processos?” – alguém diria. Na verdade, são
muitos; dezenas de milhares[9] de
trabalhadores que agora esperarão meses para dar continuidade a suas ações, que
contêm créditos alimentares, essenciais. Mas esse mal não mereceu da mídia
grandes atenções.
Da mesma forma vem se tratando
o PL nº 4.330, considerando a discussão como acabada, como se não houvesse
qualquer posicionamento contrário dos próprios deputados, o que não é verdade,
diante de tantos projetos de lei que proíbem a terceirização.
Por isso, é necessário
refletir: as escolhas que feitas nos próximos dias, meses ou anos estão
limitadas apenas a saber os conceitos que serão elaborados para configurar as
hipóteses de terceirização? Ou conseguiremos ver, além do Direito, escolhas
políticas que terão grande impacto no dia-a-dia do trabalhador?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CÂMARA DOS
DEPUTADOS. Projetos de lei ligados à terceirização. Disponível em:
<http://www.camara.leg.br/sileg/Prop_lista.asp?sigla=PL&Numero=&Ano=&Autor=&OrgaoOrigem=todos&Comissao=0&Situacao=&dtInicio=&dtFim=&Ass1=terceiriza%C3%A7%C3%A3o&co1=+AND+&Ass2=&co2=+AND+&Ass3=&Submit=Pesquisar&Relator=&pesqCompleta=1>.
Acesso em: 18 nov. 2014.
PEDIDO de
sobrestamento de processos no ARE 791932. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/pedido-sobrestamento-terceirizacao-call.pdf>.
Acesso em: 18 nov. 2014.
RENAULT,
Luiz Otávio Linhares. Que é isto – O Direito do Trabalho? In: PIMENTA, José
Roberto Freire et al. (Coords). Direito
do Trabalho: evolução, crise, perspectivas. São Paulo: LTr, 2004.
ROVER,
Tadeu. Ações sobre terceirização de call
center terão de esperar decisão do STF. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2014-set-24/acoes-terceirizacao-call-center-esperar-decisao-stf>.
Acesso em: 18 nov. 2014.
SANTOS,
Bruno Carazza. PL da Terceirização:
Quem Votou “Sim” e Quem Votou “Não” – Um Exercício de Análise de Dados do
Sistema Político Brasileiro. Disponível em: <https://leisenumeros.wordpress.com/2015/04/10/pl-da-terceirizacao-quem-votou-sim-e-quem-votou-nao-um-exercicio-de-analise-de-dados-do-sistema-politico-brasileiro/>.
Acesso em: 13 abr 2015.
STF. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário
com Agravo (ARE 713211 RG), Relator: Min. LUIZ FUX, julgado em
15/05/2014, DJe 06/06/2014. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ARE%24%2ESCLA%2E+E+713211%2ENUME%2E%29+OU+%28ARE%2EPRCR%2E+ADJ2+713211%2EPRCR%2E%29&base=baseRepercussao&url=http://tinyurl.com/kz7urfd>.
Acesso em: 18 nov 2014.
STF. Recurso Extraordinário com Agravo nº 791932.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4517937&numeroProcesso=791932&classeProcesso=ARE&numeroTema=739>.
Acesso em: 13 abr 2015.
STF. Repercussão geral: STF discutirá
conceito de atividade-fim em casos de terceirização. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=267100>.
Acesso em: 13 abr 2015.
STF. Ministro determina sobrestamento de
processos sobre terceirização de call center em empresas de telefonia.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=276490>.
Acesso em: 13 abr 2015.
VIANA,
Márcio Túlio. As várias faces da terceirização. In:
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte,
n. 54, p. 141-156, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/96/90>.
Acesso em: 18 nov 2014.
VIANA,
Márcio Túlio. A terceirização revisitada: algumas críticas e sugestões para um
novo tratamento da matéria. In: Revista
do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 78, n. 4, p. 198-224, out./dez.
2012. Disponível em:
<http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/35819/010_viana.pdf?sequence=3>.
Acesso em: 18 nov 2014.
VIANA,
Márcio Túlio; DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder Santos. Terceirização:
aspectos gerais: a última decisão do STF e a Súmula n. 331 do TST: novos
enfoques. In: Revista do Tribunal
Superior do Trabalho, São Paulo, v. 77, n. 1, p. 54-84, jan./mar. 2011.
Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/22216/003_viana_delgado_amorim.pdf?sequence=2>.
Acesso em: 18 nov 2014.
* Mestranda em Direito pela Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Minas Gerais; pesquisadora/bolsista pela
FAPEMIG; advogada; bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG;
técnica em Administração de Empresas pela Escola Técnica de Formação Gerencial
do SEBRAE/MG.
[1] VIANA, Márcio Túlio. As várias faces da
terceirização. In: Rev. Fac.
Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 54, p. 141-156, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/96/90>.
Acesso em: 18 nov 2014.
[2] Aqui fazemos referência ao Recurso
Extraordinário com Agravo nº 713211, que discute a proibição de contratação de
terceiros para a atividade-fim, originado de uma ação civil pública contra uma
empresa que cultiva eucalipto para a produção de celulose; e ao Recurso
Extraordinário com Agravo nº 791932, que trata da validade da terceirização da
atividade de call center pelas
concessionárias de telecomunicações. No ARE nº 791932, houve o sobrestamento de
todos os processos que discutem a mesma questão da possibilidade de terceirizar
a atividade de telecomunicação via os call
centers.
[3] Sobre essas ideias, ensina o professor
Luiz Otávio Linhares Renault em: Que é isto – O Direito do Trabalho? In: PIMENTA, José Roberto Freire et al. (Coords). Direito do Trabalho: evolução,
crise, perspectivas. São Paulo: LTr, 2004. p. 29 e 30.
[4] São eles: PL 5439/2005; PL 6975/2006; PL
1621/2007; PL 6832/2010; PL 3257/2012; PL 7892/2014, todos em trâmite na Câmara
dos Deputados.
[5] Na linha contrária do PL nº 4.330, estão
os PLs 7235/14, 5894/13, 4115/12, 3433/12, 3257/12, 2641/11 2603, 1783/11,
3219/00, 1299/11, 725/11, 6894/06, 1292/95 e a Proposta de Emenda
Constitucional nº 133/2012.
[6] A taxa de fidelidade, nesse caso, foi
altíssima, de 80%, nos partidos que não liberaram seus deputados para votarem
segundo seu entendimento próprio. Os dados estão disponíveis em:
https://leisenumeros.wordpress.com/2015/04/10/pl-da-terceirizacao-quem-votou-sim-e-quem-votou-nao-um-exercicio-de-analise-de-dados-do-sistema-politico-brasileiro/
Acesso em: 13 abr 2015.
[7] Segundo o próprio STF, a fixação de
parâmetros para a identificação do que representa a atividade-fim de um
empreendimento, do ponto de vista da possibilidade de terceirização, é o tema
discutido no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 713211.
[8] Trata-se do ARE nº 791932, que sobrestou
o andamento de todos os processos que tratam sobre a terceirização da
atividade-fim das empresas de telecomunicações.
[9] O cálculo é do advogado da Contax S/A, e
pode ser visualizado aqui:
http://s.conjur.com.br/dl/pedido-sobrestamento-terceirizacao-call.pdf
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