sexta-feira, 20 de março de 2020

Nota do Coletivo de Professoras da FD/UnB

O Coletivo de Professoras da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília - FD/UnB vem, publicamente, manifestar sua preocupação com a substituição das aulas presenciais, nos níveis de graduação e pós-graduação, por aulas e/ou atividades em meios digitais, durante a pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Chamamos atenção, sobretudo, para os obstáculos impostos a nós, mulheres, pela divisão sexual do trabalho.

Entendemos que o momento crítico que vivemos, exige de todas nós colaboração e criatividade para lidar com várias urgências: limitar a circulação de pessoas, difundir informações úteis, proteger os grupos vulnerabilizados, construir alternativas de sociabilidade, e, principalmente, educar. No entanto, a questão que ora enfrentamos nos desafia a pensar em novos problemas que envolvem a efetividade dos direitos, o papel do Estado e da Constituição na garantia de saúde pública, acessível a todos e garantida com respeito à privacidade. Por isso, gostaríamos de levantar algumas questões fundamentais que nos levam a questionar a dinâmica das atividades domiciliares.

Devemos considerar que, para a realização de atividades à distância, utilizando meios digitais, necessitamos – nós, docentes, e também os/as estudantes – de uma estrutura de trabalho adequada em casa, o que inclui o acesso à internet e a computadores, a disponibilidade de espaço físico ergonomicamente adequado e, principalmente, de ambiente propício para a concentração em atividades acadêmicas.
 
Ocorre que muitos de nossos e nossas estudantes não podem, em suas casas, contar com essa estrutura, que é fornecida pela própria Instituição de Ensino.  A inclusão de estudantes negros e negras, em sua maioria periféricos, na Universidade não pode acontecer sem que nossas práticas pedagógicas reflitam preocupação com os recortes raciais e de classe, sob pena de inviabilizarmos o objetivo das ações afirmativas.
 
Agravando a situação, vemos com preocupação o fato de que muitos/as docentes não possuem treinamento adequado, espaço, condições ou prazo hábil para organizar tais atividades virtuais, que pressupõem o domínio de técnicas e metodologias específicas do ensino à distância - EAD.
 
Consideramos que mais grave ainda é a condição das mulheres, docentes ou estudantes, que se encontram nesse momento em seus domicílios ocupando-se de crianças e das tarefas domésticas, cuidando de outros dependentes, ou mesmo em condição de saúde física ou mental precária.
 
O estabelecimento de atividades à distância, em regime domiciliar, sem uma preparação anterior e sob situação de pressão, especialmente psicológica, ensejada por uma ameaça à saúde coletiva que fragiliza todos e todas, torna praticamente impossível a consecução de seus objetivos, assumindo o risco de gerar outro tipo de violência.
 
Outras considerações podem ser feitas sobre o assunto. Além das pressões mencionadas anteriormente, devemos considerar a apreensão de muitos/as de nós, docentes, em produzir material didático e gravações de aulas sem que existam meios seguros para sua divulgação e preservação da autoria e integridade dos registros. Não podemos esquecer dos recentes ataques e perseguições sofridos por docentes, sobretudo das áreas de humanidades, em função de suas ideias e temas de pesquisa, entendidas indevidamente como “práticas de doutrinação” por uma parcela da sociedade. Sabemos que nosso papel científico é produzir debates e pensamento crítico, tarefa que tem sido bastante afetada.  Em tempos de tantos conflitos e pressão social, há que se considerar o risco do uso ilícito, abusivo e ofensivo à imagem dos/as docentes e à sua liberdade de cátedra. Dessa forma, entendemos pela necessidade de cautela e proteção dos/as docentes quanto a exposições indevidas e descontextualizadas de suas práticas pedagógicas.
 
Por fim, desconfiamos da qualidade e conformidade de cursos construídos e ofertados sem planejamento específico para EAD aos programas de curso que elaboramos.
 
Recordamos que a utilização de EAD, em uma situação normal de funcionamento das universidades públicas, é ainda tema de debate e reflexão.
 
Renovamos nosso compromisso com a produção de um conhecimento que permita ao e à estudante desenvolver toda a sua capacidade de reflexão, respeitando a diversidade e os diferentes contextos do quais provêm. 
 
Dessa forma, gostaríamos de solicitar às instâncias superiores dessa Universidade que tivessem em conta os diversos problemas em utilizar a EAD nesse momento e que, portanto, considerassem novas alternativas, mais efetivas e com menos riscos à comunidade acadêmica e ao cumprimento das nossas finalidades.

Brasília, 19 de março de 2020.

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