A TERCEIRIZAÇÃO, A
CLT E A CONSTITUIÇÃO
Ricardo José Macêdo de Britto
Pereira, Procurador Regional do Trabalho, Doutor pela Universidade Complutense
de Madri, Membro do Grupo de Pesquisa da UNB “Trabalho, Constituição e
Cidadania”
A ampliação da terceirização
ganhou destaque no meio político e na imprensa com o Projeto de Lei n.
4.330/2004, de autoria do Deputado Sandro Mabel. O projeto elimina a ilicitude
da terceirização na atividade fim e o entendimento da Súmula 331 do Tribunal
Superior do Trabalho. A medida é apoiada pelo empresariado e os argumentos a
seu favor possuem acentuado componente ideológico.
Toda ideologia adota uma verdade
para vencer resistências e posições contrárias, além de encobrir os efeitos
prejudiciais dos propósitos e práticas aos quais dá suporte. No caso da
terceirização, a verdade disseminada por seus defensores é que se trata de
técnica moderna de gestão, dando pouco evidência a como ela afeta os direitos
trabalhistas. Essa ideologia a serviço do poder econômico é capitaneada por
grandes organizações, cada dia mais difíceis de serem identificadas,
considerando que já não possuem estruturas, sedes e locais definidos, mas redes
que se conectam e desconectam a todo momento. São, sobretudo, organizações de
capital, geralmente inacessíveis aos consumidores insatisfeitos e às
autoridades dos Estados. A lograrem a ampliação da terceirização, tampouco
terão trabalhadores, completando o ciclo de esvaziamento e de descaracterização
como centros de imputação de responsabilidades sociais por seus
empreendimentos.
A força dessa ideologia, que
acoberta enormes passivos sociais, pulveriza a consciência social em torno dos
malefícios provocados pela terceirização sem limites. Passa-se a acreditar que
a terceirização realmente produz inúmeras vantagens, inclusive sociais. As
capacidades de reação ao projeto são desarticuladas, docilmente, dando a
impressão de que sua realização é inevitável. O limite jurisprudencial
demarcando atividade meio e fim passa a ser tratado como barreira nostálgica às
liberdades do mercado e ao desenvolvimento econômico.
Porém, a realidade é
completamente distinta. Os terceirizados são, em geral, trabalhadores que
desfrutam de salários mais baixos e condições de trabalho desfavoráveis. A
terceirização abala aspectos essenciais da CLT, como a subordinação e a
pessoalidade diretas. Inverte a regra geral da indeterminação do prazo
contratual, para consagrar a temporalidade. A rotatividade muitas vezes
inviabiliza o gozo das férias. Os sindicatos de terceirizados desfrutam de
menores condições de mobilização e reivindicação. As estatísticas dos acidentes
de trabalho indicam que sua incidência aumenta nas hipóteses de terceirização.
A terceirização sem limites não
encontra respaldo constitucional. Despreza o valor social do trabalho (art. 1º,
CF) e a determinação da melhoria da condição social dos trabalhadores urbanos e
rurais (art. 7º, CF). A supressão da distinção atividade meio e atividade fim
enfraquece a incidência das normas constitucionais, uma vez que sua verificação
não se dá no plano meramente econômico, como descrição da segmentação do
processo produtivo. Não basta o enquadramento como meio. Seu conceito é
jurídico, importando verificar também os efeitos da terceirização nas condições
de trabalho. Se acarreta profunda discrepância nos direitos dos trabalhadores,
se obstrui o exercício de direitos legais e constitucionais ou possui o nítido
propósito de enfraquecer sindicatos, não há dúvida de que a terceirização
provoca regressão inadmissível pela Constituição. Nesse caso, a atuação dos
atores encarregados da defesa dos direitos trabalhistas é imposição
constitucional, independentemente da existência de lei abrandando os limites da
terceirização.
Eventual lei que regulamente a
terceirização não poderá agravar ainda mais a situação dos terceirizados. Se os
empresários pretendem romper os limites da terceirização, num contexto de
segurança jurídica, deveriam apresentar projeto estabelecendo a completa
isonomia das condições de trabalho entre terceirizados e empregados diretos e a
responsabilidade solidária entre tomador e prestador de serviços. Assim,
poderão defender diante da sociedade a viabilidade da proposta e mostrar que os
ganhos decorrem da maior eficiência e não da exploração de trabalhadores, da
exclusão e das desigualdades sociais. Poderão, enfim, advogar que a
terceirização é técnica compatível com as exigências dos tempos atuais e não
ferramenta obsoleta que impõe o retrocesso, expressamente vedado pela
Constituição de 1988.
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