[Texto
elaborado a partir da exposição no Seminário “A terceirização no Brasil:
impactos, resistências e lutas” realizado em Brasília, nos dias 14 e 15 de
agosto de 2014].
Ricardo José
Macêdo de Britto Pereira[1]
1. Terceirização
e ativismo judicial. Em que direção?
A repercussão
geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinário (ARE
713.211) sobre terceirização, que põe em questão os limites e os efeitos
jurídicos estabelecidos na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, vem
provocando grande atenção e intensos debates pelos diversos atores que se
ocupam de temas no âmbito do trabalho em nossa sociedade.
Diante da ausência de
previsão expressa em lei impondo limitação à terceirização, o julgamento
definirá se o Tribunal Superior do Trabalho, numa espécie de ativismo judicial,
excedeu de suas atribuições, ao inviabilizar escolhas e atividades empresariais.
A expressão “ativismo
judicial” é geralmente utilizada no sentido negativo, para censurar o Poder
Judiciário, ao interferir em decisões que, a rigor, estariam a cargo do
Legislativo e do Executivo. O Judiciário acaba assumindo uma feição mais
política, de definição dos meios para alcançar fins preestabelecidos, em
decorrência da paralisia dos poderes encarregados de tomar as providências a
seu cargo. Esse é um aspecto do processo de judicialização da política que, por
sua vez, leva à politização da justiça. Com as características das
Constituições e dos conflitos sociais na atualidade, a politização já não mais
consiste tanto na luta pela positivação de novos direitos, mas, sobretudo, pela
disputa de interpretação dos direitos já consagrados.
Embora com esse viés
crítico, o ativismo judicial é perfeitamente justificável nas sociedades
atuais, marcadas pela intensificação e complexidade das demandas, que exigem
respostas céleres e adequadas. Há algum tempo, vivencia-se uma reconfiguração
dos poderes constitucionais e, em relação ao Poder Judiciário, ela é bastante
evidente, considerando que inúmeras questões da vida em sociedade são hoje
judicializadas, não podendo os seus órgãos deixarem de conferir solução a elas.
A Constituição de 1988 consagra
um projeto extremamente ambicioso de transformações em vários âmbitos,
principalmente no econômico e social. As normas constitucionais vinculam o
Estado e a sociedade como um todo, mediante providências para a realização desse
projeto, enumerando os direitos a serem efetivados. A inação institucional é
inconcebível nesse contexto, de modo que a separação dos poderes, na sua versão
tradicional, não se apresenta como garantia adequada em todos os casos. Mais do
que separação, há pressão mútua entre os poderes, a fim de propiciar os avanços
determinados pelo texto constitucional. Nesse quadro, não é possível
identificar, em todos os casos, esferas de atuação bem demarcadas e
independentes. A Constituição dota os diversos atores de perfil político para
avançar no sentido de implantar e consolidar o modelo de Estado e sociedade
nela previsto.
Pode-se afirmar que o
Supremo Tribunal Federal é o grande protagonista dessa tendência, especialmente
para efetivar os direitos sociais previstos na Constituição de 1988. O tribunal
passou a se ocupar da implementação e da correção de políticas públicas,
suprindo a atuação deficitária dos Poderes Legislativo e Executivo.
O Tribunal Superior do Trabalho,
ao consolidar sua jurisprudência conforme o enunciado da Súmula 331, nada mais
fez do que, alinhado com o projeto constitucional, interpretar o ordenamento jurídico,
para tratar dos conflitos resultantes da prestação de serviços por meio de
empresas terceirizadas e adotar resolução uniforme para eles. Os critérios
adotados para estabelecer os limites, atividade meio e fim, foram inclusive
mais brandos do que na jurisprudência anterior (Súmula 256-TST).
O fato é que as
demandas envolvendo prestação de serviços terceirizada passaram a ser
frequentes no Poder Judiciário, para as quais não se poderia deixar de oferecer
respostas, considerando o seu impacto nas condições de trabalho previstas no
ordenamento jurídico. Por vários anos a jurisprudência do tribunal foi
observada, propiciando a previsibilidade das decisões. Afinal, o empresariado
favorável à terceirização sempre se valeu do argumento de que a empresa deve
dedicar-se a sua atividade principal, podendo transferir a outras os afazeres
acessórios.
Porém, a partir de uma
série de iniciativas contra a referida jurisprudência do Tribunal Superior do
Trabalho, especialmente a retomada do Projeto de Lei 4.330/2004, de autoria do
Deputado Sandro Mabel, o discurso foi modificado, com o objetivo de alcançar a
liberação integral da terceirização. O argumento da segurança jurídica foi reforçado,
mas agora para dirigir-se contra o critério da atividade meio e fim, aplicado
conforme a súmula do Tribunal Superior do Trabalho.
A repercussão geral
reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal vem ao encontro do anseio
empresarial, uma vez que se fundamenta na violação à liberdade de contratação
extraída, por sua vez, do princípio da legalidade. O raciocínio levou ao
entendimento de que na ausência de lei limitando a terceirização, a liberdade
de contratação extraída da Constituição seria ampla. Essa interpretação,
baseada na violação ao princípio da legalidade, foi reiteradamente rechaçada pelo
Supremo Tribunal Federal em julgamentos anteriores.[2]
Embora a liberdade contratual
possa ser extraída de diversos dispositivos da Constituição, ela não se
sobrepõe aos direitos sociais consagrados em seu texto. Nesse aspecto, o
reconhecimento da repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, com base no princípio
da legalidade e garantia da liberdade contratual, caminha na direção contrária
às imposições de avanços para a realização do projeto constitucional. Além
disso, reforça o poder econômico em detrimento das conquistas sociais
históricas dos trabalhadores, desequilibrando a disputa interpretativa dos
dispositivos constitucionais.
O Supremo Tribunal
Federal atua, como esse entendimento, a serviço de uma ideologia, no
significado forte da palavra, para contribuir na difusão de uma falsa
representação da realidade. O Tribunal atribui, de forma inédita, aos
empresários os meios para obter vantagens econômicas, à custa do patamar social
incorporado na Constituição. Caso o recurso seja provido, o Estado promoverá o
capital predatório, disfarçado pela anunciada liberdade plena de contratação,
cuja consequência no passado foi a denominada “questão social”. O reforço
ideológico para encobrir o problema, com a participação do Supremo Tribunal
Federal, operará para neutralizar as resistências e as críticas contra o
processo de terceirização sem limites.
Como tratei em outro
local:
Essa ideologia a serviço do poder
econômico é capitaneada por grandes organizações, cada dia mais difíceis de
serem identificadas, considerando que já não possuem estruturas, sedes e locais
definidos, mas redes que se conectam e desconectam a todo momento. São,
sobretudo, organizações de capital, geralmente inacessíveis aos consumidores
insatisfeitos e às autoridades dos Estados. A lograrem a ampliação da
terceirização, tampouco terão trabalhadores, completando o ciclo de
esvaziamento e de descaracterização como centros de imputação de
responsabilidades sociais por seus empreendimentos.[3]
Desse modo, passa a ser
inevitável o questionamento acerca da repercussão geral como mecanismo de
tutela dos direitos sociais dos trabalhadores.[4]
Lara Parreira e Renata
Dutra[5]
fazem um paralelo entre a repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (ARE
713.211) e o caso Lochner vs. New York,
julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no ano de 1905, em
que foi considerada inconstitucional lei que regulava a jornada máxima dos
padeiros, por afronta a décima quarta emenda à Constituição norte-americana. A
“Suprema Corte entendeu que seria incabível a regulação por parte do estado na
forma de legislação trabalhista da jornada de trabalho dos padeiros, por não estar
provada a condição de insalubridade.” Ressaltam as pesquisadoras que esse
entendimento foi posteriormente superado pela Suprema Corte dos Estados Unidos
da América no caso West Coast Hotel vs.
Parrish, no ano de 1937.
De fato, caso o Supremo
Tribunal Federal confirme a tese da repercussão geral no julgamento do recurso
extraordinário, estaremos diante de um enorme retrocesso, que culminará num padrão
de cidadania de baixa intensidade e produzirá reflexos em todos os setores da
sociedade.
2. A
politização da questão e a consideração dos interesses em jogo
A decisão sobre tema de
tamanha relevância para a sociedade brasileira pressupõe a representação equitativa
dos interesses em jogo e a participação ampla dos atores envolvidos. Até o
presente momento, apenas a versão empresarial chegou ao Supremo Tribunal
Federal, sendo necessária uma distribuição dos argumentos e das informações
sobre os efeitos da terceirização no trabalho e na vida dos trabalhadores.
Isso só é possível com
a convocação de uma audiência pública, para que a versão dos trabalhadores tenha
penetração no tribunal e sensibilize os seus integrantes. A precipitação do
julgamento, sem essa providência, representa postura autoritária, em total
desacordo com diversas de suas decisões que enaltecem a interpretação
constitucional como processo aberto.
A terceirização vem
afetando profundamente as condições de trabalho asseguradas na Declaração de
Princípios e Direitos Fundamentais da OIT de 1998, que reúne quatro categorias
de direitos: liberdade sindical e negociação coletiva, trabalho infantil,
trabalho forçado e discriminação. A terceirização desorganiza os trabalhadores
e os sindicatos, discrimina os trabalhadores terceirizados em relação aos
empregados da tomadora, facilita a prática de trabalho em condições análogas[6] a
de escravo e de trabalho infantil.
A discriminação talvez
seja o efeito mais evidente da terceirização, sobretudo quando os terceirizados
prestam serviços no mesmo ambiente de trabalho dos empregados da tomadora de
serviços. Não é só a discrepância nas condições de trabalho, mas o tratamento
dispensado aos trabalhadores, como elemento estranho ao pessoal da empresa, que
os coloca em situação de invisibilidade.
Como acentuam Pedro
Mahin e João Gabriel[7]:
O pronunciamento do Supremo
Tribunal Federal acerca da matéria, a partir de uma leitura fortemente seletiva
do que seja a livre iniciativa no contexto da Carta de 1988, acaba por
esvaziar-lhe o caráter político. O foco do debate judicial recai sobre o texto
constitucional – a proibição genérica de terceirização da atividade-fim é
compatível com o princípio da livre iniciativa? –, desviando o olhar daquela
que é a questão real a ser resolvida: permitiremos a coisificação ampla de
homens e mulheres trabalhadoras ou preservaremos um patamar mínimo de dignidade
nas relações de trabalho?
Os dados apontam
igualmente o maior adoecimento no trabalho dos terceirizados, além de sofrerem
acidentes de trabalho com mais frequência. Um dos propósitos da terceirização é
transferir responsabilidades, gerando descasos com as medidas de saúde e segurança
no trabalho previstas em lei.[8]
3. Os riscos de
ampliação dos efeitos da terceirização
A retórica da terceirização
nega que os referidos problemas decorram dessa estratégia gerencial. Desse modo,
não há uma condenação por parte do segmento empresarial que pretende a
regulamentação da terceirização, quanto a sua utilização para explorar
trabalhadores e rebaixar as condições de trabalho. Essa postura contribui para
degradar e corromper a terceirização, contrapondo-se à publicidade que a
difunde como instrumento de gestão eficiente, legítimo e moderno. Na precisa
observação de Michael Sandel[9],
corrupção não é apenas uma questão de pagamento indevido e de suborno.
Corromper um bem ou uma prática é atribuir-lhe um valor inferior a ela,
depreciando-a.
A terceirização, além
de prática corrompida, figura como mecanismo de corrupção, principalmente quando
realizada pela administração pública.[10]
Essa falta de interesse
por parte do empresariado de censurar os efeitos destruidores da terceirização
confirma a tese de Márcio Tulio Viana[11] de
que a terceirização é uma modalidade de poder, por cujo exercício os
empresários vêm logrando debilitar o Direito do Trabalho, desorganizar os
trabalhadores e afastar os sindicatos.
O conceito chave da
linha argumentativa empresarial é “segurança jurídica”, que passou a ser o
referencial mágico. A segurança jurídica perseguida no caso é a preservação da
capacidade da terceirização de seguir provocando e de ampliar as agressões
danosas aos trabalhadores, sem barreiras. Os limites que foram consagrados pela
jurisprudência, estabelecendo o que pode e o que não pode transferir a
terceiros, embora observados há décadas, passaram a ser desestabilizadores. A
neutralidade com que é tratada a matéria oculta a questão central de todo o
problema: segurança jurídica para quem e para quê?
Num momento de
ampliação do poderio econômico, pretende-se eliminar o limite jurisprudencial,
para consolidar a terceirização como forma barata e irresponsável de
contratação de pessoal, que oferece incrível vantagem comparativa no mercado.
Conforme Dari Krein[12]:
O processo de terceirização
baseado na redução de custos tende a fortalecer as relações de trabalho mais
heterogêneas, incluindo o trabalho por conta própria sem proteção social e
contratação de trabalhadores sem registro como forma de obter competitividade
para sobreviver no mercado.
Pedro Augusto Nicoli[13]
comenta a tragédia que matou, em 2013, 1138 trabalhadores e feriu mais de 2000,
no complexo têxtil Rana Plaza em Bangladesh. O edifício em que funcionavam
várias fábricas têxteis, fornecedoras de marcas mundialmente conhecidas, não
suportou o peso de milhares de pessoas e do maquinário e acabou desabando. Na
análise do pesquisador:
O que um evento como esse revela, em
última análise, é uma correlação estrutural entre as práticas produtivas e
“técnicas de gestão” do capitalismo global e os efeitos desumanizadores do
trabalho explorado sem limites. Não se trata de uma mera fatalidade, um acaso
ou imprevisibilidade. Em esquemas de terceirização há, em verdade, uma relação
de assunção consciente de riscos pela diminuição das proteções. São riscos que,
além de conhecidos e assumidos, chegam a ser estimulados e contabilizados para
o aumento da lucratividade na produção.
4. Terceirização
e ação civil pública
A ação civil
pública apresenta-se como mecanismo de reação, para preservar o ordenamento
jurídico, intensificando sua importância, caso o Supremo Tribunal Federal
libere a terceirização. Essa ação constitucional enfrenta as violações ou
ameaças a diretos na sua integralidade, e não por partes, mediante condenações
e multas elevadas.
De forma paralela
às investidas para a expansão da terceirização, detectam-se movimentos de
ataques e resistências às ações coletivas, no intuito de que as condenações e
as responsabilidades sejam aplicadas levando-se em conta os indivíduos e não a
coletividade.
Porém, com o
sistema constitucional e legal de tutela coletiva atualmente vigente e os
avanços obtidos na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal
Superior do Trabalho, possíveis retrocessos devem ser considerados vedados pelo
texto constitucional. Esses avanços podem ser expressados com o destaque de alguns
pontos centrais: superação das objeções à legitimidade do Ministério Público do
Trabalho e dos sindicatos; localização constitucional do conceito de interesses
que competem a essas instituições defender; e reconhecimento de dano moral
coletivo pela gravidade da lesão, pelo fato de alcançar a coletividade,
independentemente de prova quanto a seus efeitos.[14]
O Supremo Tribunal
Federal, em decisão memorável acerca da legitimidade do Ministério Público,
interpretou o artigo 127 de forma magistral, para incluir em seu conteúdo os
valores essencial de nossa ordem constitucional. “Sempre que se disser com a
defesa de interesses vinculados à cidadania, à dignidade da pessoa humana, não
só quanto à ordem jurídica, o artigo 127 autoriza, desde logo, a ação do
Ministério Público.” (RE 161.231-3).
Os sindicatos também receberam o reconhecimento do Supremo Tribunal
Federal para atuar, em toda a sua amplitude, defesa dos interesses individuais
e coletivos da categoria (art. 8º, III – RE 193.503).
Na hipótese de o
Supremo Tribunal Federal prover o recurso extraordinário para ampliar a
terceirização, a realidade e os efeitos dessa prática terão que ser revelados,
para que as ilicitudes, não mais na origem, mas nos seus resultados, sejam
sancionadas ou impedidas conforme o regramento constitucional e legal, mediante
condenações por danos coletivos.
Até o momento, a
licitude ou não da terceirização vem sendo determinada pelo exame da etapa do
processo produtivo de bens e serviços que é realizado pela empresa tomadora dos
serviços. A discussão não se restringe a essa descrição de uma atividade para
identificar em que ponto ela pode ser segmentada e transferida a outro. Devem-se
inserir na análise da licitude da terceirização elementos normativos. Se sua
utilização visa dificultar ou inviabilizar direitos constitucionais, se é
adotada para fraudar ou desvirtuar a legislação trabalhista, se acarreta
discriminação ou se desorganiza os trabalhadores, reduzindo o patamar de
direitos ou inviabilizando a atuação sindical, evidentemente ela não se
enquadra como lícita, justamente em razão das violações ao ordenamento
jurídico.
A ilicitude não corresponderá
mais à terceirização em si, mas a seus efeitos que afrontam o ordenamento
jurídico, como a discriminação no trabalho, a desorganização coletiva, as condições
degradantes e análogas a de escravo, as violações às normas de saúde e
segurança no trabalho, entre outras.
É importante ficar
bem claro para os empresários, que a Constituição jamais os legitimou, como
jamais os legitimará a adotar práticas que violem os direitos sociais dos
trabalhadores.
Cabe ao Tribunal Superior
do Trabalho reforçar a sua jurisprudência que consagra a legitimidade do Ministério
Público do Trabalho e dos sindicatos, para eliminar de uma vez por todas com a
persistente e infundada alegação de ilegitimidade desses atores para a defesa
de interesses e direitos coletivos. É necessário seguir avançando com sua
jurisprudência, para admitir, por exemplo, a inversão do ônus da prova, como
aliás prevê o artigo 6º da Lei 8.078/1990. E mais, rejeitar a incidência da
prescrição nas ações civis pública, para evitar que situações de grave violação
ao ordenamento jurídico, que afete à coletividade, se consolidem pelo
transcurso do tempo. É importante, igualmente, admitir a cobrança da multa para
assegurar o cumprimento das obrigações de fazer e não fazer antes do trânsito
em julgado, como permitem os artigos 84 do CDC e 461 do CPC, considerando que o
artigo 12, § 2º, da Lei 7.347/1985, se foi recepcionado pela Constituição, o
que não se mostra adequado, foi inquestionavelmente revogado pelas citados
dispositivos legais. Por fim, cumpre determinar a remessa necessária no caso de
carência ou improcedência da ação civil pública, como previsto na Lei
7.853/1989.[15]
Portanto, os
empresários devem refletir antes de celebrar eventual decisão do Supremo
Tribunal Federal que elimine os limites estabelecidos pela jurisprudência do
Tribunal Superior do Trabalho na prestação de serviços terceirizada. E
principalmente avaliar se a adoção de um instrumento degradado contribui para a
imagem das empresas e o êxito dos negócios.
Nesse sentido, é a
advertência da filósofa espanhola Adela Cortina[16]:
As organizações, assim como as
pessoas, forjam um caráter ao longo de suas vidas, caráter pelo qual se
identificam e pelo qual os demais a identificam... As organizações tomam decisões, iguais a
pessoas, e podem se responsabilizar por elas. As organizações são, pois,
agentes morais, não só as pessoas o são, possuem liberdade para forjar um
caráter ou outro. Liberdade condicionada externa e internamente, como toda
liberdade humana.
Em outro texto sobre
essa mesma matéria, assim observei:
Os valores da relação pessoal de
trabalho reforçam uma dinâmica própria de mercado, baseada na cultura da
confiança, do prestígio e do respeito, que costuma gerar e preservar benefícios
para toda a sociedade. O seu reverso é o capitalismo predatório, orientado pela
selvageria e competição sem limites, que corrompe pessoas e práticas e geram
riquezas concentradas à custa de passivos sociais e econômicos
irrecuperáveis. A terceirização aqui se
encaixa, ao romper o vínculo pessoal de trabalho, destruir os seus valores,
deslocar a assunção dos riscos da atividade econômica e a responsabilidade
pelas prestações. A terceirização tende a converter o trabalhador em
mercadoria, depreciar o valor do seu trabalho, utilizá-lo comercialmente e
descartá-lo quando obsoleto, por doenças e inutilidade.[17]
O trabalhador não é
um meio e muito menos mercadoria. Não possui preço, mas dignidade. Os
propósitos de converter trabalhadores em coisas serão sempre duramente
combatidos pelo Ministério Público do Trabalho, por meio de pedidos de pesadas
multas e elevadas indenizações por dano moral coletivo.
[1] Subprocurador
Geral do Trabalho. Doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madri.
Mestre em Direito pela Universidade de Brasília, Pesquisador e professor
colaborador pleno do Programa de Pós Graduação da Faculdade de Direito da
Universidade de Brasília. Colíder do Grupo de Pesquisa “Trabalho, Constituição
e Cidadania”.
[2] Sobre a
jurisprudência anterior do Supremo e todo o histórico da repercussão geral,
consultar DELGADO, Gabriela Neves e AMORIM, Helder Santos. Os limites constitucionais da terceirização. São Paulo, LTr, 2014.
MARTINS, Milena Pinheiro. A terceirização
e o Supremo (parte 4): A terceirização e o princípio da legalidade. Disponível
em http://trabalho-constituicao-cidadania.blogspot.com.br/2014/07/a-terceirizacao-e-o-supremo-parte-4_7.html. Acesso em
29.10.2014.
[3] PEREIRA,
Ricardo José Macêdo de Britto. Terceirização,
CLT e a Constituição. Correio Braziliense. Caderno Direito e Justiça, 16 de
setembro de 2013.
[4] SANTOS, Rodrigo
Leonardo de Melo. A terceirização e o
Supremo (parte 5): o que esperar da repercussão geral em termos de direitos
trabalhistas. Disponível em http://trabalho-constituicao-cidadania.blogspot.com.br/2014/07/a-terceirizacao-e-o-supremo-parte-5.html. Acesso em
29.10.2014.
[5] BORGES, Lara
Parreira de Faria e DUTRA, Renata Queiroz. A
terceirização e o Supremo (parte 3). Sobre a liberdade de precarizar: o Supremo
e o recuo da história. Disponível em http://trabalho-constituicao-cidadania.blogspot.com.br/2014/06/a-terceirizacao-e-o-supremo-3-sobre.html. Acesso em
29.10.2014.
[6] FILGUEIRAS,
Vitor Araújo. Terceirização e trabalho
análogo ao escravo: coincidência?. Disponível em
[7] TRINDADE, Pedro
Mahin Araujo Trindade e LOPES, João Gabriel Pimentel. A terceirização e o Supremo (parte 2): o STF e a terceirização da
política. Disponível em http://trabalho-constituicao-cidadania.blogspot.com.br/2014/06/o-stf-e-terceirizacao-da-politica.html. Acesso em
29.10.2014.
[8] SILVA JÚNIOR, Antônio Braga. A terceirização e o Supremo (parte 6): a
terceirização do risco no ambiente de trabalho. Disponível em http://trabalho-constituicao-cidadania.blogspot.com.br/2014/07/a-terceirizacao-do-risco-no-ambiente-de.html. Acesso em
29.10.2014.
[9] Sandel, Michael
J. O que o dinheiro não compra. Os
limites morais do Mercado. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro,
Civilização brasileira, 2012.
[10] MOUSINHO,
Ileana Neiva. Terceirização, corrupção, a
administração refém e a falácia da eficiência. Disponível em http://trabalho-constituicao-cidadania.blogspot.com.br/. Acesso em
30.10.2014.
[11] VIANA, Márcio
Tulio. “As várias faces da terceirização.” Revista
da Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 54, p. 141-156,
jan/jul-2009.
[12] KREIN, José
Dari. “As relações de trabalho na era do neoliberalismo no Brasil.” Debates contemporâneos. Economia social e
do trabalho. Org. Eduardo Fagnani. Campinas, Unicamp, CESIT, 2013, p. 199.
[13] NICOLI, Pedro
Augusto Gravatá. A face trágica da
terceirização trabalhista. Do caso Rana Plaza ao dilema brasileiro. Disponível
em http://trabalho-constituicao-cidadania.blogspot.com.br/2014/10/a-face-tragica-da-terceirizacao.html. Acesso em
29.10.2014.
[14] PEREIRA.
Ricardo José Macedo de Britto. Ação civil
pública no processo do trabalho. Salvador, Juspodium, 2014.
[15] Op. cit.
[16] CORTINA, Adela.
“Las tres edades de la ética empresarial”. Construir
confianza. Madrid, Trotta, 2013, p. 18.
[17] PEREIRA,
Ricardo José Macedo de Britto Pereira. Terceirização
versus proteção constitucional. Correio Braziliense. Caderno Direito
e Justiça. 04.08.2014, p. 3.
A terceirização de serviços, hoje em dia, tem se tornado uma das principais preferências de empresários que desejam benefícios excelentes para a sua empresa
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