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segunda-feira, 2 de abril de 2018
Artigo: A reforma trabalhista e o regime jurídico de exceção do dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho
A
reforma trabalhista e o regime
jurídico de exceção do dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho[1]
Maurício Ferreira
Brito[2]
Peço licença ao meu leitor
para iniciar este texto fugindo dos rigores metodológicos tradicionais e
começar a abordagem com um exemplo fictício em necessário cotejo com uma análise
do regime jurídico da responsabilidade civil no ordenamento jurídico
brasileiro.
Referida opção, acredito,
tornará mais visível o regime de exceção trazido na temática do dano extrapatrimonial
no mundo do trabalho.
Imagine uma explosão no
principal estabelecimento empresarial da Empresa
ABCD Ltda. Referido episódio causou a amputação de uma perna de 4 (quatro)
pessoas distintas: Cidadão A, consumidor
do estabelecimento; Cidadão B,
prestador de serviço; Cidadão C,
servidor público, estava fiscalizando o estabelecimento; Cidadão D, auxiliar administrativo no exercício das atividades
laborais na Empresa ABCD Ltda.
Diante de tão grave
acidente, todos os Cidadãos se
acharam no direito de obter reparação pelo dano extrapatrimonial. Frise-se:
todos sofreram a amputação de uma perna no mesmo evento danoso.
Ao realizar uma busca
pelos termos “reparação extrapatrimonial consumidor” na página eletrônica do
Superior Tribunal de Justiça – STJ, foram encontrados 21 (vinte e um) acórdãos.
Muitos deles, a exemplo do REsp 1395285/SP, adotam como fundamento jurídico
para a reparação extrapatrimonial do consumidor, entre outros, os artigos 186 e
927 do Código Civil; há um verdadeiro diálogo
das fontes entre direito civil e direito do consumidor. O Cidadão A, consumidor, estaria alcançado
pelos dispositivos do Código Civil.
No que diz respeito ao Cidadão B, prestador de serviço, a
pesquisa foi ainda mais fácil. Ao se lançar na busca da página eletrônica do
STJ os termos “prestador de serviço dano moral” são vários os exemplos de
acórdãos a trazer os dispositivos do Código Civil, tais quais os artigos 186 e
927, como fundamentos para a reparação extrapatrimonial.
O TJ-RS, no Recurso Cível
71004644225, fixou a responsabilidade civil do Município com base no artigo 186
do Código Civil para estabelecer o direito a danos morais do servidor público
vítima de lesão corporal por queda de placa de granito. Em outras palavras: no
exemplo trazido, para o Cidadão C,
servidor público, haverá a incidência das regras envolvendo responsabilidade
civil previstas no Código Civil. Posso citar outro precedente análogo, como a
Apelação Cível 200651020046420 do TRF2.
E o Cidadão D, o empregado? Esse, infelizmente, está sujeito a um regime
inovador e de exceção, subprotegido, após a reforma
trabalhista.
Até o advento da Lei nº
13.467/2017, o Tribunal Superior do Trabalho – TST, era firme e pacífico (ver: http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/a-dificil-tarefa-de-quantificar-o-dano-moral)
em aplicar a uniformidade do sistema jurídico referente à responsabilidade
civil: a reparação integral consagrada no texto constitucional, art. 5º, V e X
e os dispositivos do Código Civil, nos moldes do direito administrativo,
direito do consumidor, direito civil, direito comercial, direito agrário e
demais ramos jurídicos.
A Corte Máxima
Trabalhista, ao assim proceder, em uniformidade com os demais segmentos jurídicos
e sistemas processuais e materiais do ordenamento jurídico nacional, realizava
uniformização, e trazia segurança jurídica e
coerência sistêmica.
Não obstante, o
legislador ordinário, insatisfeito, e em um esforço para construir um sistema
jurídico trabalhista apartado do restante do ordenamento jurídico nacional, com
a Lei nº 13.467/2017, conhecida como reforma
trabalhista, acrescentou o Título II-A, “Do
dano extrapatrimonial”, arts. 223-A a 223-G à Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT.
O primeiro dispositivo do
referido Título II-A, o artigo 223-A, determina ser aplicável “(...) à reparação de danos de natureza extrapatrimonial
decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título”.
Tentou o legislador
elevar o novo diploma legal a um patamar normativo supra hierárquico e
exclusivo; isto é, estaria acima da Constituição da República, dos tratados internacionais
e não se comunicaria com outras leis de mesma natureza hierárquica, como o
Código Civil.
Pecou a reforma trabalhista pela falta de
técnica e coerência do sistema. Mais ainda: tentou construir um verdadeiro
regime jurídico de exceção ao mundo do
trabalho ao tentar excluir a incidência de outras normas do ordenamento
jurídico, inclusive de natureza hierárquica superior, repise-se, a exemplo da
Constituição da República.
A violação à esfera
extrapatrimonial do cidadão empregado não é inferior à do cidadão consumidor,
contratante, servidor público, empresário.
Ainda nesse mesmo
sentido, não se pode olvidar que o Direito do Trabalho teve sua origem no
Direito Civil e, dentre outras razões, ganhou autonomia jurídica, metodológica
e científica para melhor tutelar aquele cidadão empregado em uma relação
hipossuficiente. Ao se fazer uma norma trabalhista de exceção mais gravosa do
que a do direito comum, torna-se ilógica a própria razão de ser da regra
jurídico-trabalhista.
A bem da verdade, e
analisando-se todo o conjunto da Lei nº 13.467/2017, buscou o legislador livrar
o empregador do risco do seu próprio negócio e de limitar ao máximo possível a responsabilidade
empresarial em diversos aspectos, até mesmo nas lesões extrapatrimoniais
causadas a seus empregados.
O novo Título II-A da CLT
traz no §1º do artigo 223-G parâmetros
mínimos e máximos para ofensas de natureza leve, média, grave e gravíssima,
adotando como referência o valor do limite máximo dos benefícios do Regime
Geral da Previdência Social – alteração feita pela Medida Provisória nº
808/2017.
Todavia,
a CRFB/1988, possuidora de hierarquia normativa superior, de maneira mais
detida sobre a temática da responsabilidade civil, traz em seu art. 5º caput a igualdade perante a lei,
garantindo nos seus incisos V, X e XXXV, respectivamente: a) o direito de
resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral
ou à imagem; b) a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, honra e imagem,
assegurado o direito a indenização por dano material ou moral decorrente de sua
violação; c) a não exclusão, por lei, da apreciação do Poder Judiciário de lesão
ou ameaça a direito.
A conclusão é uníssona: a
CRFB/1988 é estreme de dúvida ao assegurar a reparação integral como direito
fundamental; também é garantido o acesso à Justiça.
Já no campo das relações
de trabalho, o artigo 7º, inciso XXVIII, da
mesma CRFB/1988, afiança aos trabalhadores urbanos e rurais seguro contra
acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que
está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa.
Pela mera subsunção do
art. 223-A da CLT à CRFB/1988 percebe-se não ter como subsistir a leitura segundo
a qual o mundo do trabalho seria juridicamente
de exceção, palco sem lugar para aplicabilidade imediata dos direitos e
garantias fundamentais inscritos na CRFB/1988.
Como demonstrado no
início do texto, o Código Civil também possui dispositivos específicos e
basilares sobre a reparação civil, permeadores de múltiplos ramos jurídicos, a
exemplo dos artigos 186 e 187, regras segundo as quais todo aquele que por ação
ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito; também é ilícito o
abuso de direito.
A Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA ajuizou ADI em face dos incisos
I, II, III e IV do §1º do artigo 223-G da CLT, ADI nº 5870, sob o argumento de que a lei não pode impor
limitação ao Poder Judiciário para a fixação do valor de indenização por dano
moral, sob pena de limitar o próprio exercício da jurisdição.
No bojo da petição
inicial apontou a ANAMATRA similitude ao caso da Lei de Imprensa, quando o
Supremo Tribunal Federal – STF declarou não recepcionada a limitação da
tarifação, ao Poder Judiciário, das indenizações por danos morais decorrentes e
violação à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (ver ADPF n.
130. e RE 396.386/SP).
O STJ, a respeito da
fixação de parâmetros indenizatórios na Lei de Imprensa, fixou entendimento na Súmula
281: “a indenização por dano moral não
está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.
A Lei de Imprensa precede
a CRFB/1988. A tarifação ao dano extrapatrimonial decorrente da relação de
trabalho, diferentemente, decorre de uma lei do ano de 2017, ou seja, muito
posterior à CRFB/1988, mas que também impede ao Poder Judiciário a fixação de
uma indenização superior à efetivamente devida para a reparação integral.
Antes da edição da Medida
Provisória – MP nº 808 ocorria ainda uma grave afronta ao princípio da
isonomia, porquanto a base de cálculo seria o salário do ofendido; voltando ao
exemplo inicial, a amputação de uma perna de um pedreiro e do engenheiro
responsável pela obra teriam reparações diferentes, em verdadeira afronta à
igualdade.
A ANAMATRA requereu na
ADI, liminarmente, a suspensão dos incisos I a IV do § 1º do artigo 223-G da
CLT e, no mérito, a procedência da ação para declarar inconstitucional os mesmos
dispositivos. Até o dia 14/3/2018 o Ministro Relator Gilmar Mendes não havia
apreciado o pedido liminar.
Acerca dos parâmetros
trazidos pelo §1º do art. 223-G da CLT, seguindo a linha da petição inicial da
ADI elaborada pela ANAMATRA, a única interpretação possível, e conforme o texto
constitucional, é a de mero indicadores, e não limites máximos ou mínimos dirigidos
ao julgador, sob pena de afronta ao livre exercício da jurisdição.
Por fim, o artigo 223-B da
CLT reserva apenas às pessoas físicas ou jurídicas atingidas a qualidade de titulares
exclusivas do direito à reparação; pretendeu o legislador, sem alarde,
extinguir a reparação por dano moral coletivo.
A dimensão coletiva da
dignidade humana, para além da importância doutrinária, já é fartamente
reconhecida na jurisprudência dos Tribunais Superiores, comuns e trabalhistas;
contudo, e em tese, pela dicção do Título II-A da CLT, no mundo do trabalho o instituto não mais existiria: a dimensão
coletiva da dignidade humana seria palpável apenas para consumidores,
contribuintes, componentes do meio ambiente, mas o trabalhador ficaria à mercê
de um regime jurídico de exceção.
Antevendo a falha no
sistema jurídico, magistrados, membros do Ministério Público do Trabalho,
juristas, auditores-fiscais do Trabalho, antes da vigência da Lei nº 13.467/2017,
aprovaram os Enunciados 18 a 20 na 2ª
Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, sobre dano
extrapatrimonial, avalizando a inconstitucionalidade da aplicação exclusiva dos
novo Título II-A da CLT à reparação por danos extrapatrimoniais decorrentes da
relação de trabalho; a natureza exemplificativa dos direitos personalíssimos
dos trabalhadores constantes no artigo 223-C e a não exclusão pelo artigo 223-B
da reparação por dano moral coletivo (http://www.jornadanacional.com.br/listagem-enunciados-aprovados-vis1.asp).
De fato, é inerente ao
exercício da função jurisdicional a análise casuística para se auferir a
extensão do dano e a compensação indenizatória para a lesão sofrida, utilizando-se
critérios objetivos, tais como a culpabilidade do ofensor e sua capacidade
econômica.
Ademais, o prévio
conhecimento do valor máximo a que poderá ser condenado, por meio de uma
verdadeira monetização do dano
extrapatrimonial, torna possível ao empregador uma análise de custos e
benefícios para se extrair se é mais vantajoso descumprir a lei ou pagar a
reparação correspondente.
Finalmente, muito embora
a retórica legislativa tenha sido a de trazer pacificação às relações de
trabalho, constata-se uma a verdadeira tentativa de se construir um regime
jurídico de exceção no mundo do trabalho no
tocante à temática do dano extrapatrimonial.
Como exaustivamente
demonstrado, qualquer interpretação legislativa infralegal deve ter como ponto
de partida a CRFB/1988 e um sistema normativo de exceção, além de
inconstitucional, traz enorme insegurança jurídica.
[1]
Texto publicado no site https://www.jota.info/
[2]
Procurador do Trabalho. Doutorando em Direito. Professor.
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