quinta-feira, 30 de abril de 2015

As terceirizadoras são vazias de sentido social

A terceirização silencia as conquistas dos trabalhadores brasileiros alçadas ao patamar de direitos fundamentais pela Constituição Federal de 1988.

Autoria coletiva Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB/CNPq)


Modernizar a legislação trabalhista e aumentar a competividade do país: essas são as palavras que estão na ordem do dia desde que o projeto de lei que trata da terceirização voltou à pauta do Congresso Nacional. Em democracias socialmente responsáveis, as relações de trabalho protegidas, com salários dignos, progressão na carreira e permanência no emprego, consistem no mais relevante instrumento de integração social e de melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores.


A análise científica do fenômeno da terceirização demonstra que esse mecanismo de gestão tem sido responsável por arquitetar empresas vazias de sentido social e de direitos fundamentais. Tais empresas, portanto, não passam de embalagem oca.

A terceirização articula relações de trabalho rarefeitas, a partir da desconstrução dos parâmetros constitucionais de proteção ao trabalho humano e do decréscimo dos patamares jurídicos de afirmação dos direitos fundamentais.

As contratações sucessivas e fragmentadas a que se submetem os trabalhadores terceirizados provocam consequências nefastas, prejudicando o gozo dos direitos ao aviso prévio, à aposentadoria e às férias, por exemplo. A violação de tais direitos pode resultar, inclusive, em dano existencial por retirar do trabalhador o protagonismo de seu projeto de vida.

Pesquisas recentes ainda comprovam que: o patamar remuneratório dos trabalhadores terceirizados é significativamente inferior ao dos empregados diretos; o índice de inadimplência de verbas trabalhistas e previdenciárias é superior entre os terceirizados; a duração semanal do trabalho terceirizado é superior à do trabalhador diretamente contratado; a incidência de acidentes de trabalho graves e fatais e de de doenças ocupacionais é superior nas empresas que adotam o modelo de gestão terceirizado.

A terceirização também dificulta a constituição e o funcionamento da organização sindical, na medida em que inviabiliza a reunião dos trabalhadores terceirizados em torno do sindicato legitimado para a defesa dos seus reais interesses, frustrando as relações de cooperação e de solidariedade e a própria identidade de classe.

Publicação original: http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FAs-terceirizadoras-sao-vazias-de-sentido-social%2F4%2F33377

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Carta Aberta à Câmara dos Deputados sobre o Projeto de Lei nº 4330/2004

O Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB/CNPq) vem manifestar sua posição em relação ao Projeto de Lei nº 4330/2004, que teve seu texto base aprovado na Câmara dos Deputados, em 8 de abril de 2015. Nós, pesquisadores do mundo do trabalho, defendemos a rejeição do referido projeto de lei, pelos motivos que passamos a expor:

1. O projeto de lei, a despeito de se definir regulamentador da terceirização de serviços, ao permitir a terceirização do “conjunto das atividades empresariais”, em verdade legitima a intermediação de mão de obra no ordenamento jurídico brasileiro, em detrimento das garantias constitucionais vinculadas ao direito fundamental à relação de emprego e ao sistema constitucional do emprego socialmente protegido.

2. O projeto, ao institucionalizar a terceirização indiscriminada de atividade fim, admite que entre o trabalhador e o seu real empregador figure uma empresa intermediária que, independentemente da especialização, atua como agenciadora de trabalho humano, oferecendo-o como mercadoria. Permite-se, dessa forma, o surgimento de empresas vazias, ou seja, desprovidas de empregados diretamente contratados, como, por exemplo, uma escola sem professores ou um hospital sem médicos.

3. O projeto de lei pretende instrumentalizar o trabalho humano, ao permitir a conversão do sujeito trabalhador em objeto de negociação entre empresas, prejudicando sua condição de destinatário de direitos fundamentais preconizados na Constituição Federal e no Direito Internacional dos Direitos Humanos.

4. A análise científica do fenômeno da terceirização e de sua regulação jurídica demonstra que esse mecanismo tem sido responsável pelo decréscimo dos patamares jurídicos da afirmação de direitos individuais e coletivos dos trabalhadores. As pesquisas mais recentes apontam, por exemplo:

a) a incidência de acidentes de trabalho graves e fatais, bem como de doenças ocupacionais, é infinitamente maior entre terceirizados;
b) o número de trabalhadores resgatados em situações análogas à de escravo é na sua quase totalidade de terceirizados;
c) a permanência no emprego do trabalhador terceirizado é inferior a do trabalhador diretamente contratado;
d) a rotatividade entre os trabalhadores terceirizados é superior a dos trabalhadores diretamente contratados;
e) o índice de inadimplência de verbas trabalhistas é superior nas empresas terceirizadas;
f) a remuneração dos trabalhadores terceirizados é significativamente inferior a dos empregados diretos da empresa tomadora de serviços;
g) a duração semanal do trabalho terceirizado é superior a do trabalhador diretamente contratado.

5. A terceirização ainda dificulta a constituição e o funcionamento da organização sindical, assegurados constitucionalmente, na medida em que inviabiliza a reunião dos trabalhadores terceirizados em torno do sindicato legitimado para a defesa dos seus reais interesses, frustrando as relações de cooperação e de solidariedade e a própria identidade de classe. Dessa forma, provoca grave déficit de efetividade do direito fundamental à liberdade sindical e à negociação coletiva.


Particularmente no tocante à aprovação do Projeto de Lei nº 4.330, o Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania destaca quatro pontos críticos das emendas aglutinativas do processo legislativo e propõe sugestões para minimizar os efeitos deletérios de seu texto base, reforçando o compromisso do Estado brasileiro em promover a inclusão socioeconômica protegida do trabalhador:

a) ATIVIDADE FIM: Entendemos que a terceirização em atividade fim é terminante e constitucionalmente proibida tanto para o segmento público quanto para a iniciativa privada, sem exceções. A inconstitucionalidade da prática da terceirização na atividade fim do empreendimento se justifica pela violação ao regime constitucional do emprego socialmente protegido e por afronta à função social da empresa.

b) RESPONSABILIDADE PELAS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS E SOCIAIS: Entendemos que a responsabilidade pelas obrigações trabalhistas e sociais dos trabalhadores terceirizados deve ser solidária entre a empresa tomadora e a empresa prestadora de serviços, tanto para ampliar a garantia do pagamento do crédito trabalhista quanto para evitar a transferência do risco econômico ao trabalhador.

c) IGUALDADE SALARIAL: Entendemos que trabalhadores terceirizados têm direito à igualdade salarial em relação aos trabalhadores contratados diretamente pela empresa tomadora de serviços, em vista do princípio constitucional da isonomia, nos termos do Direito do Trabalho brasileiro.

d) ENQUADRAMENTO SINDICAL: Entendemos que a entidade sindical dos trabalhadores da empresa tomadora de serviços apresenta-se como a organização sindical efetivamente representativa dos direitos e interesses dos trabalhadores terceirizados, qualquer que seja a atividade empresarial, por ser nela que os trabalhadores verdadeiramente se integram em seu cotidiano de labor.

Encaminhamos esta Carta Aberta à Câmara dos Deputados, no sentido de densificar o debate sobre a normatização da terceirização trabalhista, fundados na perspectiva democrática do processo legislativo brasileiro.

Brasília, 20 de Abril de 2015.

Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania – Faculdade de Direito da Universidade de Brasília - UnB.

DA INCONSTITUCIONALIDADE DO PL 4.330/2004 QUE TRATA DA TERCEIRIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PRIVADOS


DA INCONSTITUCIONALIDADE DO PL 4.330/2004 QUE TRATA DA TERCEIRIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PRIVADOS[1]


Luciana Paula Conforti[2]
Resumo. A terceirização tem sido vista em todos os segmentos econômicos, com exploração dos trabalhadores e precarização das relações de trabalho. A terceirização de atividade-fim é inconstitucional. A Súmula 331 do TST assenta as hipóteses de terceirização, devendo a matéria ser interpretada com base na isonomia entre trabalhadores empregados e terceirizados, além da responsabilização solidária da empresa contratante pela proteção do meio ambiente do trabalho e pelos créditos inadimplidos pela contratada.
Palavras-chave: terceirização de atividade-fim, inconstitucionalidade, isonomia, meio ambiente do trabalho, responsabilidade solidária do tomador dos serviços
1. INTRODUÇÃO
A legalidade da terceirização (ou a necessidade de sua regulamentação) tem norteado inúmeros debates no campo jurídico, econômico e social. Ao mesmo tempo, a (i) legalidade da terceirização tem sido o objeto central de milhares de ações ajuizadas na Justiça do Trabalho.
O impacto do desenvolvimento econômico sobre as relações de trabalho deve ser analisado sob a perspectiva de geração de trabalho decente e sob o prisma constitucional.
O acesso ao trabalho decente é um fator central para que o Brasil possa continuar avançando rumo à superação da pobreza extrema, da fome e da desigualdade social. O trabalho decente, conceito formalizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1999, sintetiza a sua missão histórica de promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.[3]
Como enfatizou o Ministro do TST Lélio Bentes Corrêa, o Estado não pode se distanciar nem se omitir no cumprimento de seu dever maior, de assegurar a prevalência do interesse social sobre o privado. Cabe aos agentes públicos, no exercício do seu mister ou mesmo na condição de cidadãos, ter a coragem de desenvolver o ser humano ao centro do processo de desenvolvimento sustentável, edificante, socialmente justo e democrático.[4]
A precarização das relações de trabalho é um dos problemas mais graves da atualidade. É ocasionada pela busca incessante do lucro, ao lado da acirrada concorrência gerada pelo mercado global. Verifica-se a exigência, cada vez maior, de melhor produtividade com menor custo, menos empregados, mais terceirização, redução dos encargos legais, aliciamento de trabalhadores e, principalmente, o descumprimento da legislação trabalhista e da Constituição de 1988.
A terceirização, motivo de grande exploração econômica dos trabalhadores e de precarização dos seus direitos, tem sido vista em todos os segmentos econômicos, e o Estado Democrático de Direito necessita cumprir as obrigações assumidas no texto constitucional, por meio da concreta e efetiva ação dos poderes constituídos, sendo inadmissíveis escusas fundadas em suposta incapacidade da economia capitalista ou em abalo ao desenvolvimento econômico, tornando a Constituição da República mera carta de intenções. A efetividade dos direitos sociais depende da adoção de medidas políticas e jurisdicionais, bem como da interpretação do texto em sintonia com os valores aptos a garantir a força normativa da Constituição.
Os defensores da terceirização afirmam que o “moderno” modelo de gestão permite à contratante organizar melhor a produção, concentrando-se em atividades que fazem seu modelo de negócio funcionar com mais eficiência, o que garante a ampliação dos níveis de qualidade e produtividade, a redução de custos e a competitividade.[5]
Na prática, o que se vê, no entanto, é a constituição de empresas de fachada, a mais completa precarização das condições de trabalho dos terceirizados, além do aumento dos acidentes de trabalho e o descumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias, tanto por parte das terceirizadas, quanto das tomadoras dos serviços.
O Projeto de Lei nº 4.330/2004, que autoriza a ampliação da terceirização nos serviços privados, inclusive na atividade-fim do tomador dos serviços, é inconstitucional, não podendo ser aprovado da forma como se encontra, sob pena de grave violação aos direitos fundamentais dos cidadãos.
2. FUNDAMENTAÇÃO
O valor da dignidade humana, previsto no art. 1º, III da CF/88, se impõe como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério de parâmetro e valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988.
Na Constituição da República, o valor social do trabalho é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, IV da CF), a ordem econômica funda-se na valorização do trabalho humano, citando como princípios a busca do pleno emprego e a função social da propriedade (art. 170, III e VIII da CF) e o primado do trabalho reside na base da ordem social (art. 193 da CF).
Apesar de a Constituição Federal de 1988 garantir o Estado Democrático de Direito fundado na cidadania e na dignidade da pessoa humana, vemos que a proteção social ali prevista não tem surtido o devido efeito para milhares de trabalhadores e caso o PL 4.330/2004 seja aprovado da forma como se encontra, de acordo com o texto base votado no dia 08.04.2015 pela Câmara dos Deputados, estaremos diante de lei flagrantemente inconstitucional.
No dia 14.04.2015, houve a aprovação de destaque, com a exclusão das empresas públicas e sociedades de economia mista das regras previstas no Projeto de Lei, o que representou grande avanço, porém, ainda resta muito a ser alterado para que a regulamentação da terceirização dos serviços privados possa ser considerada constitucional.
Como ressalta Maurício Godinho Delgado, a jurisprudência e a doutrina percorreram longo caminho na busca de instrumentos de controle do processo de terceirização, de modo a compatibilizá-lo com os princípios e regras essenciais que regem a utilização da força de trabalho no mundo civilizado e no Brasil.
Delgado esclarece que o caminho percorrido pela jurisprudência nesse processo de adequação jurídica da terceirização ao Direito do Trabalho tem combinado duas trilhas principais: a trilha da isonomia remuneratória entre os trabalhadores terceirizados e os empregados originais da empresa tomadora de serviços, e a trilha da responsabilização do tomador de serviços pelos valores trabalhistas oriundos da prática terceirizante, sendo tais trilhas eleitas como os dois mecanismos principais para viabilizar a adequação mínima necessária da fórmula terceirizante às regras e princípios essenciais do Direito do Trabalho.[6]
Os citados mecanismos, no entanto, até o momento não foram adequadamente observados no PL 4.330/2004. O texto do Projeto de Lei apenas menciona observância à isonomia quando a empresa contratada pertencer ao mesmo segmento econômico da tomadora dos serviços, o que certamente será afastado nas contratações (como já ocorre com as terceirizadas dos Bancos) e somente prevê a responsabilização solidária da empresa tomadora dos serviços, quando da ausência de fiscalização do cumprimento de parte dos direitos trabalhistas assegurados aos terceirizados (note-se que a maior parte dos direitos previstos no art. 7º da Constituição não foi contemplada no art. 16 do referido Projeto de Lei).
Defende-se que somente as situações expressamente especificadas pela Lei n. 6.019/74, relativa ao trabalho temporário, deve ser objeto de terceirização, além das atividades de vigilância, regidas pela Lei n. 7.102/83, das atividades de conservação e limpeza e daquelas tarefas especializadas ligadas à atividade-meio do tomador dos serviços e não vinculadas à sua atividade-fim, conforme entendimento da Súmula 331 do C. TST.
As atividades-meio são os serviços periféricos à essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços ou meramente instrumentais, de estrito apoio logístico ao empreendimento, como a alimentação dos empregados e, ilustrativamente, as atividades citadas pela Lei n. 5645, de 1970: “transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas.”
Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico.
Caso o Projeto de Lei em discussão seja aprovado da forma como se encontra, poderemos chegar ao paradoxo da existência de empresas sem empregados, com a utilização de cem por cento de mão de obra terceirizada, mediante a contratação de diversas empresas supostamente especializadas, sem contar que o PL 4.330/2004 permite a subcontratação de serviços, o que acaba por afastar, por completo, todas as pretensas garantias aos terceirizados previstas no seu texto, em vista da impossibilidade de fiscalização.
O critério da inexistência de subordinação, para que a terceirização seja considerada lícita (e o vínculo de emprego não seja diretamente formado com a empresa contratante – Súmula 331, III, TST e artigos 2º e 3º da CLT, exceto nos casos de trabalho temporário enquadrados na Lei n. 6.019/74), também estará sendo completamente desconsiderado com a aprovação do PL 4.330/2004, segundo o texto atual.
Apesar de o Projeto de Lei em questão mencionar que nos casos de subordinação direta haverá o reconhecimento do vínculo de emprego do terceirizado diretamente com a tomadora dos serviços, como poderá a empresa contratante se distanciar da subordinação direta em relação aos trabalhadores contratados se o texto em discussão, em tese, permite a terceirização de todas as suas atividades?
No que diz respeito à isonomia salarial ou ao chamado salário equitativo, previsto na Lei do Trabalho Temporário (Lei 6.019/74, art. 12, “a”), deve ser critério geral a ser adotado no PL 4.330/2004, a fim de afastar injustificável discriminação socioeconômica entre empregados (ou entre os que deveriam ser empregados) e terceirizados.
Como aponta Maurício Godinho Delgado,

(...) a fórmula terceirizante, se não acompanhada do remédio jurídico da comunicação remuneratória, transforma-se em mero veículo de discriminação e aviltamento do valor da força de trabalho, rebaixando drasticamente o já modesto padrão civilizatório alcançado no mercado de trabalho do país. Reduzir a terceirização a simples mecanismo de tangenciamento da aplicação da legislação trabalhista é suprimir o que pode haver de tecnologicamente válido em tal forma de gestão trabalhista, colocando-a contra a essência do Direito do Trabalho, enquanto ramo jurídico finalísticamente dirigido ao aperfeiçoamento das relações de trabalho na sociedade contemporânea.

Delgado cita diversos preceitos constitucionais e legais que, em síntese, favorecem a aplicação do salário equitativo:

Trata-se, de um lado, dos preceitos constitucionais concernentes à ideia básica de isonomia (art. 5º, caput e inciso I, CF/88); preceitos concernentes à ideia da prevalência na ordem jurídica dos direitos sociotrabalhistas (art. 1º, III e IV; art. 3º, I, III e IV; art. 4º, II; art. 6º, art. 7º, caput ; art. 7º, VI, VII, X; art. 100; art. 170, III); preceitos constitucionais determinadores da proteção ampla do salário (art. 7º, VI, VII e X, CF/88).

Há, se já não bastassem os dispositivos citados, o fundamental preceito lançado no art. 7º, XXXII, da Carta Magna: “proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre profissionais respectivos”. Ora, esta norma isoladamente já é frontal instrumento vedatório da discriminação sociotrabalhista produzida pela terceirização. Desse modo, associada aos demais dispositivos constitucionais citados, torna imperativa a retificação isonômica a ser realizada pelo mecanismo do salário equitativo.[7]

Um dos benefícios anunciados com a aprovação do PL 4.330/2004 é a geração de inúmeras vagas de emprego. Ainda que se admita a alardeada criação de postos de trabalho, o que na prática não ocorrerá, apenas a precarização dos empregos formais já existentes, é necessário avaliar quais serão as condições das supostas vagas de trabalho a serem criadas.
A respeito do tema, houve a divulgação dos dados de pesquisa realizada sobre os danos da terceirização.[8] A reportagem retrata que o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou, em agosto de 2011, uma pesquisa sobre o crescente processo de terceirização no Brasil e seus efeitos sobre o mercado de trabalho, denunciando que o número de trabalhadores terceirizados no Brasil chega a 10 milhões de pessoas, o que equivale a 25,5% do mercado de trabalho formal. Os dados da pesquisa demonstram que em 2010 os terceirizados receberam um salário 27,1% menor que os contratados diretamente, e trabalharam 43 horas em média, ante 40 horas dos diretamente contratados. Além disso, o tempo médio de permanência dos terceirizados no mesmo emprego foi de apenas 2,6 anos, ante 5,8 dos setores não terceirizados.
Adriana Marcolino, pesquisadora do Dieese, explica que a terceirização se acentuou nos últimos 30 anos, com o crescimento da doutrina neoliberal, e a alteração do modo de produção capitalista. “O processo de reestruturação do trabalho que ocorre desde pelo menos a década de 1990 não está restrito somente às inovações tecnológicas, está ancorado também em um processo de reordenação organizativa das empresas do qual a terceirização faz parte.”
Além da diferença de salário, horas de serviço, e tempo de permanência no mesmo emprego, na maioria das vezes trabalhadores que exercem a mesma função têm direitos diferentes. Enquanto o contratado diretamente tem acesso a direitos como convênio médico e vale-refeição, o terceirizado tem apenas parte ou nenhum desses direitos, sem contar que fica totalmente excluído dos benefícios previstos nas normas coletivas da categoria dos empregados da empresa contratante.
Outro ponto preocupante que a pesquisa aponta, trazido pela reportagem, é o número de acidentes do trabalho, que é muito maior entre os empregados terceirizados. De acordo com o Dieese, oito em cada dez acidentes acontecem com terceirizados. Em casos onde há morte, quatro entre cinco ocorrem em empresas prestadoras de serviço.
Para realizar a pesquisa, o Dieese se baseou nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), da Pesquisa de Emprego e Desemprego do Dieese/Seade/Ministério do Trabalho, e em uma pesquisa realizada pela Central Única de Trabalhadores (CUT) sobre a percepção dos trabalhadores realizada em 2010/2011 e setores e empresas selecionadas.
Também no que respeita à proteção do meio ambiente do trabalho, o Projeto de Lei 4.330/2004 não traz qualquer progresso, já que apenas prevê a observância das normas relativas à saúde e segurança no trabalho quando o terceirizado prestar os serviços nas instalações da empresa tomadora ou em local por ela designado, deixando à margem de qualquer proteção os terceirizados que estiverem desempenhando as suas atividades em ambiente distinto, sem impor qualquer obrigatoriedade de fiscalização da empresa tomadora dos serviços quanto ao referido cumprimento, em verdadeira ofensa à proteção da vida, saúde e segurança dos trabalhadores e com total afronta a diversos dispositivos constitucionais que tratam do tema (art. 1º, I, II, III e IV, art. 5º, art. 6º, art. 7º, XXII, art. 196, art. 200, VIII e art. 225 da Constituição de 1988).
José Cláudio Monteiro de Brito Filho adverte que a terceirização é propícia às fraudes e defende que somente deveria ser permitida se os trabalhadores tivessem garantidos todos os direitos trabalhistas concedidos aos empregados da empresa tomadora, além da própria garantia do pagamento desses direitos.
Quanto às fraudes, sustenta, embora aparentemente o trabalhador esteja protegido contra a inadimplência de seu real empregador, o prestador de serviços, pois o entendimento uniforme é de que o tomador responde pelos débitos trabalhistas das empresas que lhe prestam serviços, não é assim tão simples. Primeiro porque a fraude não ocorre apenas pelo não pagamento dos créditos trabalhistas dos trabalhadores. Ela acontece, muitas vezes, na própria atividade prestada. Segundo porque é frequente o desvirtuamento da terceirização, com as tomadoras pretendendo não a execução dos serviços sob a direção da prestadora, mas a própria subordinação dos trabalhadores.[9]
Gabriela Neves Delgado defende que o suposto prestígio alcançado pela terceirização trabalhista não diminui os graves problemas que a referida fórmula provoca no processo produtivo e na estrutura socioeconômica contemporânea, vez que sua estrutura apresenta facetas que desmistificam um suposto caráter de modernidade e de excelência jurídica, considerando a maciça utilização de mão de obra informal ou “subterrânea”, o que, em regra, implica maior precariedade do mercado de trabalho.
No plano econômico, esclarece Gabriela Delgado, a terceirização ocasiona o decréscimo no número de empregos formais firmados com as empresas tomadoras, fomentando, em contrapartida, o surgimento de pequenas e médias empresas em todos os setores da economia que, de maneira geral, utilizam a subcontratação dos serviços.
Não bastasse isso, adverte, a terceirização tende a ampliar o desemprego: a maioria dos empregados, que têm seus contratos de trabalho extintos com as empresas tomadoras, não conseguem inserir-se novamente no mercado de trabalho formal. Assim, o mecanismo terceirizante estimula processos de alta rotatividade de mão de obra, sobretudo no que concerne às empresas tomadoras de serviços, causando insegurança no emprego e insuflando sentimentos de individualização nas relações de trabalho.
Gabriela Delgado conclui no sentido de que o rol de agressões que a sistemática terceirizante provoca no seio dos trabalhadores é tão profundo e diversificado, que não compensam, social e culturalmente, suas estritas e decorrentes vantagens econômicas.[10]
Apesar dos argumentos dos que defendem a terceirização da atividade-fim do tomador dos serviços, entende-se que a referida terceirização é inconstitucional, face à ofensa a diversos dispositivos da Constituição de 1988, como já foi demonstrado.
Como ressaltou o Ministro do TST Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, a terceirização leva à perda de identidade do trabalhador e o homem não é mercadoria para ser locado. A sociedade precisa estar atenta à precarização das relações de trabalho, porque ter uma carteira assinada não significa, necessariamente, um trabalho decente. A terceirização, na opinião de Luiz Philippe, tem que ter como primazia a ética nas relações de trabalho e a dignidade humana, enfatizando que deve haver limites para a terceirização.[11]
Concorda-se, integralmente, com as afirmações, chamando-se a atenção para os efeitos nefastos da terceirização e, principalmente, para a inconstitucionalidade do PL 4.330/2004.
A adequada regulamentação da terceirização no Brasil requer respeito absoluto aos valores e direitos previstos na Constituição de 1988.
3. CONCLUSÃO
A terceirização de atividade-fim é inconstitucional e todas as tentativas de ampliação de tal tipo de contratação devem ser veementemente rejeitadas pela sociedade. O Projeto de Lei 4.330/2004 deve ser combatido, por ferir diversos dispositivos constitucionais. A matéria deve ser interpretada com a máxima preservação da dignidade dos cidadãos, com base no princípio da isonomia e responsabilização solidária dos contratantes pela proteção do meio ambiente de trabalho e pagamento dos créditos trabalhistas dos contratados.
REFERÊNCIAS
ABRAMO, Laís; RIBEIRO, José. Trabalho Decente, Combate à Pobreza e Desenvolvimento in no mérito, publicação da AMATRA 1 – ano XVI nº 45 – dezembro de 2011.
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho Decente: análise jurídica da exploração do trabalho, trabalho escravo e outras formas de trabalho indigno. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2010.
CAROS AMIGOS, ano XV n. 179/2012, São Paulo: Casa Amarela
CORRÊA, Lélio Bentes. A crise econômica e o pacto mundial pelo emprego da OIT in no mérito, publicação da AMATRA 1, Rio de Janeiro – ano XVI n. 45 – Dezembro de 2011.
DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno, São Paulo: Ltr, 2006.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 7. ed.
Emprego e Trabalho Decente: um conceito produtivo para o País, Brasília: CNA, CNC, CNCOOP, CNI, CNS, CONSIF, CNT, 2011.
MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de. O homem não é mercadoria para ser locado in Revista AMATRA 5, Ano I – Dezembro/2012.



[1] Texto elaborado a partir do artigo Aspectos controvertidos sobre a normatização da terceirização dos serviços privados, publicado pela autora no livro Temas de direito do trabalho em homenagem aos 70 anos da CLT, André Luiz Machado, Hugo Cavalcanti Mello Filho, José Adelmy da Silva Acioli (Org.), São Paulo: LTr, 2014, p. 188-206.
[2] Doutoranda em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília, integrante do grupo de pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, Mestre em Direito Constitucional pela UFPE, Especialista em Direito Processual Civil pela FBV, Especialista em Direito Previdenciário pela FBV-ESMATRA6, Membro da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho, integrante da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da ANAMATRA, Juíza do Trabalho do TRT da 6ª Região.
[3] ABRAMO, Laís; RIBEIRO, José. Trabalho Decente, Combate à Pobreza e Desenvolvimento in no mérito, publicação da AMATRA 1 – ano XVI nº 45 – dezembro de 2011, p. 11.
[4] CORRÊA, Lélio Bentes. A crise econômica e o pacto mundial pelo emprego da OIT in no mérito, publicação da AMATRA 1, Rio de Janeiro – ano XVI n. 45 – Dezembro de 2011, p. 15.
[5] Emprego e Trabalho Decente: um conceito produtivo para o País, Brasília: CNA, CNC, CNCOOP, CNI, CNS, CONSIF, CNT, 2011, p. 18.
[6] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 7. ed., p. 464.
[7] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 7. ed., p. 443-445, 447.
[8] Caros Amigos, ano XV n. 179/2012, São Paulo: Casa Amarela, p. 16-18.
[9] BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho Decente: análise jurídica da exploração do trabalho, trabalho escravo e outras formas de trabalho indigno. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2010, p. 120-122.
[10] DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno, São Paulo: Ltr, 2006, p. 185, 187-189.
[11] MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de. Revista AMATRA 5, Ano I – Dezembro/2012, p. 18-19.

terça-feira, 14 de abril de 2015

AULA PÚBLICA SOBRE TERCEIRIZAÇÃO NA RODOVIÁRIA DO PLANO PILOTO DE BRASÍLIA - 14 DE ABRIL DE 2015


 

O que representa a terceirização irrestrita: avanço ou precarização? A quem interessa a aprovação do projeto a toque de caixa? Como podemos nos mobilizar?

Na última quarta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou o PL nº 4330/04. O projeto regulamenta a terceirização no Brasil, que passaria a ser irrestrita. Na próxima terça-feira, 14/04, serão firmados pontos polêmicos por meio de votações separadas.

Nesse contexto, o Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania promoveu uma aula pública sobre terceirização, no mesmo dia 14/04, às 7h30, na Rodoviária do Plano Piloto de Brasília.

Expositoras/es:
- Membros do grupo
- Marjorie Chaves, doutoranda em Política Social pela UnB
- Francisco Targino, representante dos trabalhadores terceirizados da UnB
- Coan, representante do Sinttel-DF

Confiram as fotos:



Você sabe o que é terceirização? O que você tem a ver com o PL 4330?
A liberação sem limites da terceirização, que está para ser votada pela Câmara dos Deputados, afeta a todos, terceirizados ou não!

Com a aprovação desse projeto, cada vez mais as empresas deixarão de contratar trabalhadores diretamente, para contratarem por meio de empresas de prestação de serviços, com salários mais baixos e condições de trabalho piores (maiores jornadas, mais rotatividade, menos benefícios).
Regulamentar a terceirização não significa assegurar direitos. Para isso existe a CLT. Liberar a terceirização só garante aos empregadores o direito de burlar a CLT!
A terceirização não cria empregos: ela determina que o emprego a ser criado seja um emprego terceirizado, precário e desprotegido.
Se opor ao PL 4330 não significa se opor aos trabalhadores terceirizados! Significa defender que eles tenham os mesmos direitos dos trabalhadores contratados diretamente! E significa defender que todos os empregos que existem no país hoje não se tornem terceirizados.
A CLT está em risco! Precisamos defender o patrimônio dos trabalhadores brasileiros. Um povo formado de trabalhadores não pode se render ao retrocesso das leis trabalhistas!

"Mais que nunca é preciso cantar!"









APOIO: Central Única dos Trabalhadores (CUT)

Confira o texto aprovado em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1071604&filename=SBT+1+CCJC+%3D%3E+PL+4330%2F2004

TERCEIRIZAÇÃO: opção legislativa, judiciária ou política?



Lília Carvalho Finelli*

Notícias e mais notícias vêm sendo publicadas quando se trata da terceirização. Dentro do âmbito jurídico, já sabemos que o tema é complexo e o debate acirrado. Mas será que os motivos para essa disputa são bem compreendidos por aqueles que serão os mais afetados pelas decisões que estão sendo tomadas sobre o tema?
O próprio conceito de terceirização é um pouco misterioso. Talvez quem o tenha melhor definido seja o professor Márcio Túlio Viana, porque a vem distinguindo em duas formas bem diferentes[1]. Em uma, o trabalhador vira mercadoria. É alugado para prestar serviços dentro de uma empresa, sem dela fazer parte. Na outra forma, a própria empresa é a terceira e produz o que a principal irá utilizar.
Esses dois tipos de terceirização são mesmo diferentes, mas suas consequências podem ser bem próximas. Sem saber dessas diferenças, por vezes nos deparamos com argumentos que confundem suas características. Assim, por um lado, bradam uns:
- “A terceirização é um mal, ela diminui direitos do trabalhador porque o transforma em mercadoria. Por isso, deve ser combatida.”
Por outro, se afirma:
- “Não! É muito boa, afinal, a empresa não pode prestar tantos serviços assim. Tem que ter liberdade para escolher o que quer produzir. O que não quiser, pede a outra empresa para fazer.”
Embora concordemos com a primeira fala, devemos nos questionar se o debate se reduz a saber quem vence essa luta. Muito além da definição que damos à terceirização, há algo que precisa ser compreendido. E isso é o fato de que, em grande parte, a decisão sobre os rumos que iremos adotar para disciplinar a terceirização é política.
A política permeia tudo – mesmo que às vezes nosso desejo seja deixar essas questões outros resolverem. Tanto a aprovação do Projeto de Lei nº 4.330 – ao qual somos totalmente contrários, por transformar o trabalhador em mercadoria – mas também as próprias decisões que nosso Supremo Tribunal Federal está por tomar[2] são posicionamentos políticos, que não envolvem apenas o Direito, e por isso vão além das definições jurídicas que possamos dar a esse fenômeno.
Há infinitas ideias e interesses por trás de cada posicionamento. Muitas pessoas têm um desejo difícil: proteger de verdade o trabalhador. E outras, como é o caso de muitos que apoiam esse projeto de lei, querem prejudicá-lo, valorizando mais o mercado e vendo o ser humano como uma mercadoria semelhante a todas as outras; ou até como uma máquina. Uma máquina que, aliás, reclama, faz greve, se cansa, adoece, quer se reconhecer no fruto de seu trabalho[3]. E esses desejos – típicos daqueles que não são máquinas – incomodam alguns.
Esse incômodo vai se espalhando, tomando força, se transformando em ações reais: projetos de lei, processos e até fraudes. E nos esquecemos de que há uma infinidade de maneiras de prejudicar o trabalhador, da mesma forma que também há para ajudá-lo. Dentro dessas últimas formas, de ajuda, está a tentativa de compreender como nosso sistema político funciona.
A uma primeira vista, pode parecer, com as notícias da imprensa, que o Projeto de Lei nº 4.330 é uma boa ideia; que é único; que traz uma discussão já ultrapassada; que poderia alavancar a economia; que não traria, na prática, grandes mudanças diante do que já vem acontecendo.
A realidade mostra outras faces: proposto por um deputado que defende os direitos dos empregadores, vem circulando desde 2004 na Câmara dos Deputados, agregando mais de seis projetos semelhantes[4]. Isso poderia indicar que nossos deputados federais – nossos representantes – o veem com bons olhos.
No entanto, olhando por outro lado, há mais de uma dúzia[5] de projetos que proíbem expressamente a terceirização em diversos setores – na saúde, nos cartórios, na limpeza e elaboração de merenda escolar, etc –, também tramitando na mesma Casa, além de alguns outros que tentam dar mais direitos aos terceirizados.
A maioria deles se encontra na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos Deputados, diferentemente do PL nº 4.330, agora já aprovado, tamanha sua força política e econômica perto dos demais.
Demonstrando essa diferença de forças, em estudo sobre a relação entre o financiamento de campanha e o voto de cada deputado no PL nº 4.330, Bruno Carazza analisa que podem existir diversas variáveis que influenciaram nessa escolha, como a quantia recebida via doações individuais e a fidelidade de cada representante ao que seu partido escolheu como posicionamento correto[6].
Dessa forma, percebemos que as ideias têm muitas frentes e são diversos os jeitos de aprovar um ponto de vista ou outro, seja por convicção individual ou por seguir a linha coletiva. E assim funciona também no Poder Judiciário, que julgará em breve o tema[7]. Considerando decisões recentes, nosso Supremo Tribunal Federal vem dando indícios de que quer colocar ponto final na questão, abrindo a possibilidade de permitir a terceirização em todas as suas formas – o que consideramos prejudicial ao trabalhador.
Assim, vemos que o pensamento de flexibilizar as relações de trabalho não se restringe a um único projeto de lei ou a apenas um processo. Vai além e abrange ainda outra possibilidade de tratar a terceirização – quem sabe a mais efetiva? Trata-se da formação de seu conceito pela mídia, também a serviço de interesses políticos.
Essa construção jornalística pode ser para o bem e também para o mal. Ao mesmo tempo em que temos hoje acesso a diversas publicações de estudiosos comprometidos com os direitos do trabalhador, há o lado oposto. Por exemplo, mal foi noticiada a decisão do STF que suspendeu todos os processos trabalhistas relacionados ao tema da terceirização através dos call centers[8]. “Quem sabe não seriam poucos esses processos?” – alguém diria. Na verdade, são muitos; dezenas de milhares[9] de trabalhadores que agora esperarão meses para dar continuidade a suas ações, que contêm créditos alimentares, essenciais. Mas esse mal não mereceu da mídia grandes atenções.
Da mesma forma vem se tratando o PL nº 4.330, considerando a discussão como acabada, como se não houvesse qualquer posicionamento contrário dos próprios deputados, o que não é verdade, diante de tantos projetos de lei que proíbem a terceirização.
Por isso, é necessário refletir: as escolhas que feitas nos próximos dias, meses ou anos estão limitadas apenas a saber os conceitos que serão elaborados para configurar as hipóteses de terceirização? Ou conseguiremos ver, além do Direito, escolhas políticas que terão grande impacto no dia-a-dia do trabalhador?


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projetos de lei ligados à terceirização. Disponível em: <http://www.camara.leg.br/sileg/Prop_lista.asp?sigla=PL&Numero=&Ano=&Autor=&OrgaoOrigem=todos&Comissao=0&Situacao=&dtInicio=&dtFim=&Ass1=terceiriza%C3%A7%C3%A3o&co1=+AND+&Ass2=&co2=+AND+&Ass3=&Submit=Pesquisar&Relator=&pesqCompleta=1>. Acesso em: 18 nov. 2014.

PEDIDO de sobrestamento de processos no ARE 791932. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/pedido-sobrestamento-terceirizacao-call.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2014.

RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Que é isto – O Direito do Trabalho? In: PIMENTA, José Roberto Freire et al. (Coords). Direito do Trabalho: evolução, crise, perspectivas. São Paulo: LTr, 2004.

ROVER, Tadeu. Ações sobre terceirização de call center terão de esperar decisão do STF. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-set-24/acoes-terceirizacao-call-center-esperar-decisao-stf>. Acesso em: 18 nov. 2014.

SANTOS, Bruno Carazza. PL da Terceirização: Quem Votou “Sim” e Quem Votou “Não” – Um Exercício de Análise de Dados do Sistema Político Brasileiro. Disponível em: <https://leisenumeros.wordpress.com/2015/04/10/pl-da-terceirizacao-quem-votou-sim-e-quem-votou-nao-um-exercicio-de-analise-de-dados-do-sistema-politico-brasileiro/>. Acesso em: 13 abr 2015.

STF. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 713211 RG), Relator: Min. LUIZ FUX, julgado em 15/05/2014, DJe 06/06/2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ARE%24%2ESCLA%2E+E+713211%2ENUME%2E%29+OU+%28ARE%2EPRCR%2E+ADJ2+713211%2EPRCR%2E%29&base=baseRepercussao&url=http://tinyurl.com/kz7urfd>. Acesso em: 18 nov 2014.

STF. Recurso Extraordinário com Agravo nº 791932. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4517937&numeroProcesso=791932&classeProcesso=ARE&numeroTema=739>. Acesso em: 13 abr 2015.

STF. Repercussão geral: STF discutirá conceito de atividade-fim em casos de terceirização. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=267100>. Acesso em: 13 abr 2015.

STF. Ministro determina sobrestamento de processos sobre terceirização de call center em empresas de telefonia. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=276490>. Acesso em: 13 abr 2015.

VIANA, Márcio Túlio. As várias faces da terceirização. In: Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 54, p. 141-156, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/96/90>. Acesso em: 18 nov 2014.

VIANA, Márcio Túlio. A terceirização revisitada: algumas críticas e sugestões para um novo tratamento da matéria. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 78, n. 4, p. 198-224, out./dez. 2012. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/35819/010_viana.pdf?sequence=3>. Acesso em: 18 nov 2014.

VIANA, Márcio Túlio; DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder Santos. Terceirização: aspectos gerais: a última decisão do STF e a Súmula n. 331 do TST: novos enfoques. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 77, n. 1, p. 54-84, jan./mar. 2011. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/22216/003_viana_delgado_amorim.pdf?sequence=2>. Acesso em: 18 nov 2014.





* Mestranda em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais; pesquisadora/bolsista pela FAPEMIG; advogada; bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG; técnica em Administração de Empresas pela Escola Técnica de Formação Gerencial do SEBRAE/MG.
[1] VIANA, Márcio Túlio. As várias faces da terceirização. In: Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 54, p. 141-156, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/96/90>. Acesso em: 18 nov 2014.
[2] Aqui fazemos referência ao Recurso Extraordinário com Agravo nº 713211, que discute a proibição de contratação de terceiros para a atividade-fim, originado de uma ação civil pública contra uma empresa que cultiva eucalipto para a produção de celulose; e ao Recurso Extraordinário com Agravo nº 791932, que trata da validade da terceirização da atividade de call center pelas concessionárias de telecomunicações. No ARE nº 791932, houve o sobrestamento de todos os processos que discutem a mesma questão da possibilidade de terceirizar a atividade de telecomunicação via os call centers.
[3] Sobre essas ideias, ensina o professor Luiz Otávio Linhares Renault em: Que é isto – O Direito do Trabalho? In: PIMENTA, José Roberto Freire et al. (Coords). Direito do Trabalho: evolução, crise, perspectivas. São Paulo: LTr, 2004. p. 29 e 30.
[4] São eles: PL 5439/2005; PL 6975/2006; PL 1621/2007; PL 6832/2010; PL 3257/2012; PL 7892/2014, todos em trâmite na Câmara dos Deputados.
[5] Na linha contrária do PL nº 4.330, estão os PLs 7235/14, 5894/13, 4115/12, 3433/12, 3257/12, 2641/11 2603, 1783/11, 3219/00, 1299/11, 725/11, 6894/06, 1292/95 e a Proposta de Emenda Constitucional nº 133/2012.
[6] A taxa de fidelidade, nesse caso, foi altíssima, de 80%, nos partidos que não liberaram seus deputados para votarem segundo seu entendimento próprio. Os dados estão disponíveis em: https://leisenumeros.wordpress.com/2015/04/10/pl-da-terceirizacao-quem-votou-sim-e-quem-votou-nao-um-exercicio-de-analise-de-dados-do-sistema-politico-brasileiro/ Acesso em: 13 abr 2015.
[7] Segundo o próprio STF, a fixação de parâmetros para a identificação do que representa a atividade-fim de um empreendimento, do ponto de vista da possibilidade de terceirização, é o tema discutido no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 713211.
[8] Trata-se do ARE nº 791932, que sobrestou o andamento de todos os processos que tratam sobre a terceirização da atividade-fim das empresas de telecomunicações.
[9] O cálculo é do advogado da Contax S/A, e pode ser visualizado aqui: http://s.conjur.com.br/dl/pedido-sobrestamento-terceirizacao-call.pdf