quinta-feira, 13 de setembro de 2018

10° Congresso Goiano de Advocacia Trabalhista




Evento: Os 30 anos da Constituição e o Ministério Público do Trabalho


"STF se alinhou a setores que querem a volta da escravidão", diz Ricardo Antunes

Para o sociólogo, terceirização da atividade fim, aprovada pelo STF, é uma derrota sem precedentes para os trabalhadores

Brasil de Fato | São Paulo (SP)
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Antunes é autor do livro “O privilégio da servidão”, publicado pela Boitempo, em que analisa os impactos da terceirização na sociedade / Foto: Antonio Perri/Boitempo
“É uma tragédia social”, define Ricardo Antunes, sociólogo, professor livre-docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos principais nomes no país que analisam o mundo do trabalho, sobre decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou a terceirização irrestrita constitucional. 
A decisão foi tomada pelo Supremo na última quinta-feira (30). Votaram pela terceirização irrestrita os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux (relatores), Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Posicionaram-se contra Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello. 
Em entrevista ao Brasil de Fato, Antunes ressalta que, ao liberar a terceirização, independentemente de setor ou atividade, o STF atende os desejos dos representantes patronais.
“A partir dessa nefasta decisão do Supremo, todas as atividades podem ser terceirizadas. É uma derrota fragorosa da classe trabalhadora e mostra que Supremo Tribunal Federal está em plena sintonia com os interesses mais destrutivos das classes proprietárias”, afirma o sociólogo. 
“Por que a terceirização interessa? Primeiro, os trabalhadores terceirizados ganham menos. Segundo, trabalhadores e trabalhadoras terceirizados trabalham mais horas por dia, ou seja, a intensidade do trabalho, a exploração e a superexploração do trabalho, são mais intensificados. Terceiro, e isto é vital: terceirizar significa dividir a classe trabalhadora”, argumenta. 
Recentemente, Antunes lançou o livro “O privilégio da servidão”, publicado pela Boitempo, em que analisa os impactos da terceirização na sociedade e na vida dos trabalhadores.
Confira entrevista na íntegra:
Brasil de Fato – O que representa a decisão do STF que libera a terceirização irrestrita? A quem ela beneficiará?
Ricardo Antunes – A decisão do STF ajuda a consolidar a devastação das relações de trabalho iniciada de modo agudo nesse último período, pelo governo [Michel] Temer. Consolida o processo de conversão nas relações de trabalho no Brasil, em que a legislação social protetora do trabalho perde aquele sentido que ela tinha de minimamente regular e preservar direitos dos trabalhadores.
Nós entramos, agora, na lei completa da selva. Mais do que isso, há um Supremo Tribunal Federal sem competência jurídica para analisar os temas do trabalho. Só alguns dos ministros do Supremo têm formação em Direito do Trabalho e muitos lá são verdadeiros representantes do Capital. Aliás, a ampla maioria, com raras exceções, se é que elas existem. Com esta medida, passam por cima do Tribunal Superior do Trabalho, a quem competia definir o que era a terceirização, onde ela era possível e onde ela não era possível, como o Tribunal fez há quase uma década atrás quando permitiu a terceirização das atividades-meio e proibiu a terceirização das atividades-fins.
A partir dessa nefasta decisão do Supremo, todas as atividades podem ser terceirizadas. É uma derrota fragorosa da classe trabalhadora e mostra que o Supremo Tribunal Federal está em plena sintonia com os interesses mais destrutivos das classes proprietárias. Todas as pesquisas mostram que trabalhadores e trabalhadoras terceirizados trabalham mais tempo, ganham menos, sofrem mais acidentes de trabalho, tem a realização social protetora do trabalho burlada, não tem representação sindical e não tem condições sequer econômicas para entrar e batalhar pelos seus direitos na Justiça. É uma tragédia social que nos faz lembrar 1800, o período anterior a 1888. O STF se alinhou com o governo Temer e com setores dominantes do Brasil que querem a volta à escravidão.
Qual sua opinião sobre o argumento da eficácia produtiva, utilizado pelos ministros, para defender a terceirização irrestrita?
O discurso da chamada eficiência produtiva utilizada pelos ministros é uma forma envergonhada de discutir esse tema, porque eles não tem coragem de dizer que a terceirização é um flagelo para classe trabalhadora. A terceirização é romper os direitos. Os terceirizados e as terceirizadas trabalham, frequentemente, sem representação sindical, eu enfatizo isso porque a história da representação sindical dos terceirizados no Brasil é praticamente inexistente, é muito pequena, muito mais difícil, o que faz com que haja uma brutal retirada de direitos. 
Há um conjunto imenso de trabalhadores e trabalhadoras terceirizados que nos seus depoimentos não tiram férias há mais de um ano, dois ou três anos. O terceirizado, por exemplo, não pode se dar ao luxo de tirar férias, porque a rotatividade é muito alta. Os salários são baixos, as jornadas extenuantes. Acidentes e mortes são muito frequentes em atividades como eletricitários, aqueles que trabalham nas mineradoras, aqueles que trabalham nos bancos, nas unidades da Petrobras de perfuração de petróleo, entre outras. Esse discurso esconde a retirada dos direitos e é uma forma de abafar a monumental precarização do trabalho.
Os favoráveis à terceirização usam o argumento de que há relação entre o crescimento de emprego formal e terceirização, enquanto movimentos sociais denunciam uma precarização. Qual sua avaliação, enquanto especialista?
Os que alegam que há relação entre o crescimento de emprego formal e a terceirização, desconsideram todas as pesquisas sérias que mostram, em primeiro lugar, que o crescimento do emprego formal depende muito mais do movimento da economia, das medidas tomadas pelos governos visando um maior incentivo ao crescimento ou um maior incentivo ao superávit primário para garantir os lucros dos bancos, como o governo Temer está fazendo e tantos outros governos anteriores a ele também fizeram, ainda que de modo diferenciado.
O que na verdade todas as pesquisas mostram é que a terceirização não aumenta emprego. O aumento de emprego, repito, decorre do movimento da economia. A terceirização aumenta, em situações de crise, porque ela significa o aumento da exploração da classe trabalhadora brasileira, que no nosso caso tem traços de superexploração do trabalho. O Supremo Tribunal Federal legitimou a prática da superexploração do trabalho no Brasil, que atinge de maneira exponencial os trabalhadores rurais, os trabalhadores operários das Indústrias, os trabalhadores dos serviços, trabalhadores da agroindústria, serviços industriais e da indústria de serviços. Ou seja, é uma derrota da classe trabalhadora. 
A grande verdade é que os movimentos sociais, quando denunciam que a terceirização gera precarização, é porque eles vivem a concretude disto na sua vida real. Os trabalhadores e as trabalhadoras sabem que, sendo terceirizados, a burla de direitos é maior, os salário são menores e as jornadas mais extensas. 
Como o senhor analisa que será a fiscalização desses contratos na fiscalização irrestrita?
Uma farsa. A fiscalização desses contratos será uma farsa. Se os terceirizados não têm sindicatos fortes, já perdem, desde logo, o seu instrumento principal de fiscalização, são os sindicatos que denunciam. A introdução da terceirização é o golpe final, o golpe letal, que faltava a ser dado na CLT. Alguém imagina que um Estado como o do Temer vai fiscalizar isto? 
Por que a terceirização interessa? Primeiro, os trabalhadores e terceirizados ganham menos. Segundo, trabalhadores e trabalhadoras terceirizados trabalham mais horas por dia, ou seja, a intensidade do trabalho, a exploração e a superexploração do trabalho, são mais intensificados. Terceiro, e isto é vital: terceirizar significa dividir a classe trabalhadora.
Existem os trabalhadores que ainda tem direitos celetistas, que são regulamentados pela CLT, e conseguem se manter, e uma massa crescente de trabalhadores a margem da CLT, o que significa que nós vamos ter um cenário muito difícil para a classe trabalhadora. É preciso que um outro governo, eleito, resultado de lutas sociais, de avanços da classe trabalhadora, dos movimentos sociais, da luta cotidiana do povo que trabalha, da classe que vive do seu trabalho, que coloque como uma questão vital a revogação da lei de terceirização, a revogação da reforma trabalhista do Temer e a revogação da PEC do fim do mundo, que jogou a saúde pública, a previdência pública e a educação pública para a vala comum, de tal modo que a população pobre brasileira, que é a maioria da nossa classe trabalhadora, não tem condições mínimas de saúde, educação e previdência. Isso só mostra que a institucionalidade brasileira está profundamente maculada pelos interesses corporativos de financeiros que a controlam. Seja o Executivo, seja o Legislativo ou o Judiciário.
É por isso que a população tem uma repulsa, ainda que seja uma repulsa surda. A população trabalhadora olha com desdém para esta institucionalidade brasileira porque ela é prisioneira dos valores dominantes. É triste, mas essa é a mais pura realidade. O Supremo Tribunal Federal perdeu uma rara oportunidade, e evidentemente a expectativa de que isso ocorresse era praticamente nenhuma porque quem acompanha o Supremo sabe que ele tem agido de modo muito minúsculo quando as grandes forças impõe que as decisões sejam tomadas. A grande consequência de tudo isso é o retorno a uma situação que em pleno século 21 legaliza a escravidão do trabalho. 
Qual a perspectiva que se desenha para os trabalhadores na atual conjuntura, a partir da aprovação da reforma trabalhista e agora com a terceirização irrestrita?
A pior possível. Será preciso refazer o que a classe trabalhadora fez ao longo do século 20. Greves, como houve a Greve Geral de 1917, greves ao longo dos anos 30 e 35, greves nos anos 45, 46 e 47. Greves nos anos 53, 57, 60, 61, 62, 63, 68, 78, 79 e 80. Greves, lutas sociais, confrontação. É só assim que nós poderemos repor, em alguma medida, essa devastação, esta conversão do trabalho da forma mais aviltada que a história brasileira presenciou e vai presenciar, desde o fim do trabalho escravo.
Que papel o STF tem desempenhado nessas votações que impactam diretamente a vida dos trabalhadores?
[O papel] de ser, como o Executivo e o Legislativo, um guardião. Um guardião dos interesses dos grandes grupos dominantes. Um guardião dos interesses das grandes corporações. Esta medida foi um divisor de águas.
Um ministro ou ministra dizendo que a terceirização é a forma de aumentar o trabalho, é porque jamais viram a vida cotidiana que as trabalhadoras sofrem. É muito importante ter claro: na terceirização, há uma enorme intensificação da exploração do trabalho. Há, na verdade, uma superexploração do trabalho, e ela atinge mais duramente as mulheres, porque os seus salários são ainda menores do que aqueles recebidos pelos homens terceirizados. As mulheres negras têm salários menores do que os salários das mulheres brancas e menor do que o salário dos homens ou seja estamos num degrau que está nos levando a um abismo social. 
Isto vai, por certo, significar consequências muito profundas na dilapidação ainda maior da alimentação da classe trabalhadora, da saúde da classe trabalhadora, do seu sofrimento, mas, por certo, vai gerar também revolta porque nenhuma sociedade vive em condições de escravidão sem, em algum momento, aumentar a intensidade das revoltas.
Edição: Diego Sartorato
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terça-feira, 4 de setembro de 2018

Terceirização sem limites: a crônica de uma tragédia social anunciada

Perspectivas de aprofundamento das desigualdades sociais e empobrecimento dos trabalhadores são óbvias
Durante o julgamento, restaram polarizadas duas teses: a tese derrotada, lastreada em estudos científicos do campo do Direito Constitucional do Trabalho, da Sociologia do Trabalho e da Economia do Trabalho no sentido de afirmar a proteção social ao trabalho e limitar a terceirização como mecanismo jurídico para evitar a precarização que esta engendra, num conteúdo argumentativo que afirma o caráter social da Constituição de 1988; e a tese vencedora, propaladora da “modernização da economia”, da liberdade de contratação e da promessa de criação de empregos, capitaneada pela maximização das liberdades de iniciativa extraídas do art. 5º, II, da Constituição de 1988 (princípio da legalidade). Os defensores da corrente vencedora entendem que os efeitos precarizantes levantados pelos demais julgadores seriam externalidades e não contingências do processo de terceirização, devendo ser reprimidos os efeitos nocivos, porém não a terceirização em si.
O julgamento realizado pelo STF não se referia à nova legislação trabalhista, advinda das Leis nº 13.429/2017 e 13.467/2017, mas sim às situações anteriores à vigência dessa normatividade. Interessante, todavia, não ter constado do julgamento que o resultado que ali se discutia, em certa medida, antecipava os efeitos liberalizantes introduzidos na ordem jurídica pela denominada reforma trabalhista, que também previu a terceirização de atividades fins e meio, indistintamente.
São amplamente conhecidos os efeitos precarizantes da terceirização do trabalho, que já foram vastamente mapeados por pesquisas científicas dos mais diversos campos do conhecimento1. Os impactos da contratação terceirizada no patrimônio jurídico dos trabalhadores, bem como os prejuízos por esta causados à saúde do trabalhador, à afirmação de identidade social no trabalho, à organização coletiva dos trabalhadores e ao fortalecimento dos seus processos negociais são reiteradamente confirmados por pesquisas científicas. as quais restaram referidas nos votos condutores da tese vencida no julgamento.
É nesse sentido a constatação de que o Direito não pode fechar os olhos à realidade, que deve ser compreendida como parte constitutiva do próprio Direito. Assim, Delgado e Amorim já apresentaram a compreensão de que, embora formalmente não suprima direitos trabalhistas, a terceirização já se mostrou suficiente para torná-los rarefeitos, na medida em que reduz sua importância econômica e sua exequibilidade, distanciando o trabalhador da unidade produtiva que por ele deveria se responsabilizar2.
Ao contrário do que sustentaram alguns ministros, a garantia de direitos sociais não se materializa num processo formal e abstrato de reconhecimento de direitos, mas na concretude dos processos de cidadania e inserção social que o trabalho regulado proporciona. Esse trabalho, certamente, não é o trabalho terceirizado, assim como direitos fundamentais e democracia não são formas vazias, mas precisamente um conteúdo jurídico-político firmado por meio do pacto democrático de 1988.
Não foi esse o entendimento acolhido pelo STF, que capitaneia, mais uma vez, a tese menos protetiva do caráter social da Constituição de 1988. A pergunta que fica é: se diante dos limites colocados pela Súmula nº 331 do TST, já era difícil conter o avanço da precarização e da intermediação fraudulenta de mão de obra nas relações de trabalho, o que podemos esperar do cenário do trabalho no país a partir do momento que o STF autoriza a prática da terceirização de todas as atividades empresariais? O que dizer do advento dessa decisão, em um contexto de crise econômica, no qual a ordem do mercado tem sido o corte de custos independentemente do que esses custos representem?
As perspectivas de aprofundamento das desigualdades sociais e empobrecimento dos trabalhadores são óbvias. A lista de “coincidências” é grande e, por si só, faz concluir pela inexistência de “acaso”, mas sim de uma causalidade inevitável entre os fenômenos da terceirização e da precarização: estamos falando de salários menores, jornadas mais extensas (e intensas), maior rotatividade no mercado de trabalho, mais acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, mais ocorrências de redução de trabalhadores à condição análoga à de escravo, mais ocorrências de trabalho infantil, menores taxas de sindicalização e mais fragilidade nos processos negociais coletivos.
Entretanto, mais do que as evidências sociais concretas dos efeitos desse arranjo contratual precário e do comprometimento que advém à Ordem Constitucional de 1988 a partir da última decisão do STF, algumas perguntas imediatas surgem quando os profissionais do Direito se colocam diante do desafio de aplicar a decisão (vinculante) do Supremo Tribunal Federal. É que a terceirização interfere em pressuposto basilar do Direito do Trabalho brasileiro – a relação bilateral de emprego. Uma vez afastada essa base, que passa a poder ser subvertida pela generalização da contratação trilateral, inúmeras perguntas que a tese vencedora no STF não se ocupou em responder se colocam para o Direito do Trabalho após o dia 30/8/2018.
Quando o Supremo autoriza a terceirização das atividades-fim das empresas tomadoras, levantando o obstáculo específico colocado pela Súmula nº 331 do TST, o que nos diz sobre a vigência dos artigos 2º e 3º da CLT? Sim, aqueles dispositivos que estabelecem os pressupostos fático-jurídicos para a configuração da relação de emprego, os quais devem ser aferidos a partir da primazia da realidade, princípio basilar do Direito do Trabalho. Caso terceirizada uma atividade-fim, e, diante dela, sejam identificados, entre o trabalhador contratado de forma terceirizada e a empresa tomadora de serviços, a presença de pessoalidade e subordinação jurídica ao tomador de serviços, deverá o intérprete do Direito afastar o efeito concreto dos artigos 2º e 3º da CLT, que é o reconhecimento do vínculo empregatício direto? E, em caso afirmativo, quais passam a ser então os critérios para aferição da existência da relação de emprego? Difícil sustentar o edifício do Direito do Trabalho, quando solapam o seu alicerce, sem colocar nada no lugar…
Outro ponto que foi desconsiderado na decisão do Supremo diz respeito à possibilidade de fraude nas relações terceirizadas, com a dinâmica de intermediação da força de trabalho obreira. Importante lembrar que desde o processo de institucionalização do Direito do Trabalho, nas primeiras décadas do Século XX (com a Constituição da OIT de 1919 e a Declaração de Filadélfia de 1944, por exemplo), há proibição da intermediação de mão de obra, segundo o princípio de que “o trabalho não é uma mercadoria”. Por certo, a terceirização de atividade-fim mercantiliza o trabalho humano, por se apresentar como uma relação de trabalho desprovida de proteção normativa, aproximando realidades de fraude e de trabalho regulado. Nesse contexto, qual seria então o papel que a decisão do STF atribuiria ao art. 9º da CLT? Para além disso, em respeito ao domínio de proteção da pessoa humana, como se cumpriria a força supralegal dos tratados de direitos humanos em matéria trabalhista nos casos de fraude com intermediação de mão de obra?
Mais importante, considerando que o enquadramento sindical em nosso país é eleito pela atividade econômica do empregador e que não existe liberdade sindical plena (uma vez que o princípio da unicidade persiste afirmado no art. 8º, I, da CF/88), como se dará o enquadramento sindical da massa de terceirizados que passará a existir após essa decisão? Teremos um sindicato geral dos terceirizados no Brasil, com força para negociar com todos os ramos de atividade econômica? Ou o Supremo assumirá, como desdobramento do seu julgado, a necessidade de concretizar a liberdade sindical plena no país, nos termos da Convenção nº 87 da OIT, e autorizará que os trabalhadores terceirizados elejam o sindicato mais representativo ao qual desejem se filiar? Ou, ainda, se filiarão os trabalhadores terceirizados ao sindicato dos empregados da empresa tomadora de serviços? Qual sindicato terá legitimidade para conduzir negociações coletivas (inclusive com aptidão para rebaixar direitos trabalhistas, na esteira da jurisprudência do próprio STF, como demonstra o RE 590.415, da Relatoria do ministro Luís Roberto Barroso) em nome da nova massa de trabalhadores terceirizados?
Que dirá o Supremo Tribunal Federal das dispensas coletivas de empregados contratados diretamente para recontratação de outros trabalhadores, de forma terceirizada? Note-se que em tempos de crise, o tema das dispensas coletivas tem batido às portas do Poder Judiciário trabalhista, que teve sua jurisprudência civilizatória confrontada pelo liberalizante art. 477-B inserido na CLT pela Lei nº 13.467/2017. Se o objetivo do STF era garantir empregos, como solucionará esse conflito? Enfrentará as dispensas coletivas que a sua própria decisão pode inspirar?
O que dirá o Supremo quando a legitimação de empresas que não assumem os riscos inerentes ao exercício da sua atividade econômica começar a causar instabilidades concorrenciais e problemas consumeristas, desestabilizando ainda mais a economia? Isso porque, na esteira do entendimento de Calixto Salomão Filho, na terceirização não há coincidência entre os centros jurídicos de imputação de responsabilidade e risco pelo desempenho independente da atividade. Arremata o autor que todo agente econômico que atua no mercado sem assumir riscos/responsabilidades configura risco ao próprio funcionamento das relações concorrenciais do sistema capitalista e da sociedade3.
O STF, na decisão de 30/8/2018, infelizmente não ofereceu respostas, nem pacificou conflitos, tampouco trouxe segurança jurídica. Abre caminho para um período de incertezas jurídicas que terá que ser respondido por meio de profunda reconstrução dos pilares de proteção ao trabalho no Brasil. Abre caminho ainda para o aprofundamento de processos de precarização que a exploração ilimitada do trabalho engendra e coloca em xeque um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, do qual deveria ser defensor: a valorização social do trabalho.
A construção jurídica nacional terá que aprender, por meio de um remédio amargo, que não é possível interpretar a “valorização social do trabalho” como um enunciado retórico de uma ordem jurídica que, na verdade, é regida por imperativos econômicos. Relembraremos, a duras penas, que os limites do Direito e da Economia são colocados em diferentes searas justamente porque aquilo que o Direito pode assegurar em termos de padrões civilizatórios, democracia e preservação de garantias fundamentais, não pode ser oferecido pelas meras movimentações econômicas. Será preciso experimentar o empobrecimento de quem trabalha para entender, como afirma Laura Carvalho, que “A proteção aos mais vulneráveis sempre pode caber no orçamento, mas o genocídio jamais caberá na civilização”4.
Por fim, é importante registrar que as reflexões que movem esse artigo, embora lastreadas em preocupações de natureza econômica e sociológica profundas que emanam do compromisso com a realidade social brasileira, tem assento exatamente na leitura atenta e técnica da Constituição Federal, que não pode ser interpretada pinçando-se o art. 5º, II, como se ele não estivesse inserido num sistema jurídico conformado pelos artigos 1º, III e IV, 3º, 6º, 7º a 11, 170, § 1º, III, da Constituição, que se compromete equanimemente com a dignidade humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o combate às desigualdades sociais e regionais, a justiça social, a busca do pleno emprego e a função social da propriedade.
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1 ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018; COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Terceirização: máquina de moer gente trabalhadora. São Paulo: LTr, 2015; DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder. Os limites constitucionais da terceirização. São Paulo: LTr, 2014; DELGADO, Maurício Godinho Delgado. Curso de direito do trabalho. 17ª ed. São Paulo: LTr, 2018; DRUCK, Graça. Trabalho, Precarização e resistências. Caderno CRH. Salvador: EDUFBA, v. 24, p. 35-54, 2011; DRUCK, Graça; BATISTA, Jair. Precarização, Terceirização e ação sindical. In: DELGADO, Gabriela. PEREIRA, Ricardo. Trabalho, Constituição e Cidadania. São Paulo: LTr, 2014. Pp. 31-45; DUTRA, Renata Queiroz. Trabalho, regulação e cidadania: a dialética da regulação social do trabalho. São Paulo: LTr, 2018; PAIXÃO, Cristiano; LOURENÇO FILHO, Ricardo. Impactos da terceirização no mundo do trabalho: tempo, espaço e subjetividade. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho. vol. 80, nº 3, jul/set 2014, p. 58-74; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; ANDRADE, Helio Rodrigues de; COELHO, Elaine Dávila (Orgs.). Precarização e terceirização: faces da mesma realidade. 1ed.São Paulo: Sindicato dos Químicos, 2016, v. 1, entre outras relevantes pesquisas.
2 DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder. Os limites constitucionais da terceirização. São Paulo: LTr, 2014.
3 Palestra proferida por Calixto Salomão Filho, professor Titular de Direito comercial e concorrencial da USP, em 7/11/2014, no Seminário Internacional “Direito do Trabalho e Sindicalismo: Dilemas e Desafios Atuais na Europa, América Latina e Brasil”, na cidade de São Paulo – SP. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Bqe3etgctMk Acesso em 2/9/2018, 20h36min.
4 CARVALHO, Laura. Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Ed. Todavia, 2018, p. 160.