quarta-feira, 30 de julho de 2014

A TERCEIRIZAÇÃO E O SUPREMO (PARTE 6): A Terceirização do Risco no Ambiente de Trabalho


Antônio Braga da Silva Júnior[1]

            A intensificação das relações terceirizadas no Brasil, em especial daquelas tendentes a substituir indevidamente os empregados efetivos na atividade principal da empresa, preocupa também quem acompanha questões relativas à saúde e à segurança do trabalho no país. Conforme se observa das ações promovidas pela Auditoria-Fiscal do Trabalho em diversos setores econômicos produtivos nos últimos anos, os empregados terceirizados são aqueles mais suscetíveis a acidentes de trabalho. E os motivos para essa maior suscetibilidade constituem o cerne deste breve artigo.
            A Petrobrás, importante multinacional brasileira, mostra-se como ícone desse avanço da terceirização no mercado de trabalho. Segundo dados dos relatórios anuais divulgados pela própria estatal, em 2006 estavam em exercício 62.266 empregados efetivos comparados a 176.810 empregados terceirizados – curiosamente denominados de “empregados de prestadoras de serviço”. No ano de 2013, conforme últimos dados publicados, os números indicavam 86.111 efetivos e 360.180 terceirizados, num espantoso percentual de 80,7% de trabalhadores terceirizados.[2]
E, paralelo aos números empregatícios, apresentam-se os dados de fatalidades em acidentes de trabalho na Petrobrás, a evidenciar a tendência deletéria da intermediação de mão de obra no ambiente laboral.  Em 2009, por exemplo, envolveu-se em acidente fatal 1 empregado efetivo da empresa, a uma taxa de 0,13 óbitos para cada grupo de 10.000, enquanto houve 6 mortes de terceirizados, a uma taxa de 0,20. Já em 2012, dos 13 acidentes fatais ocorridos, todos eles envolveram empregados terceirizados, a uma taxa de 0,36 mortes para cada grupo de 10.000 terceirizados.[3]
No mesmo sentido são as pesquisas envolvendo o setor elétrico brasileiro[4] nos anos de 2003 a 2011. Dados desse setor demonstram que, dos 80 acidentes fatais ocorridos em 2003, 66 deles ceifaram a vida de trabalhador terceirizado, a uma absurda taxa de 16,6 acidentes fatais para cada grupo de 10.000 empregados terceirizados, enquanto a taxa envolvendo empregados contratados diretamente pelo tomador dos serviços era de 1,4 ocorrências para cada grupo de 10.000. No ano de 2011 o cenário não se modificou, já que dos 79 acidentes fatais ocorridos no setor, 61 referem-se a trabalhador terceirizado, gerando uma taxa de 4,4 de acidentes fatais de terceirizados para cada grupo de 10.000 comparado a uma taxa de 1,6 ocorrências envolvendo empregados efetivos [5].
E não se mostra difícil encontrar as razões – ou pelo menos parte delas – para se compreender a repercussão prejudicial da Terceirização na saúde e segurança do trabalhador. Conforme se depreende do aparato normativo atinente ao ambiente laboral[6], existem diversos procedimentos e programas a serem seguidos pelo empregador com o fim de prevenir gravames à saúde e à integridade física do empregado. Dentre eles destacam-se o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho – SESMT, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO e, ainda, o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, todos objetos de Normas Regulamentadoras – NR específicas editadas no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE.
Esses procedimentos e programas são naturalmente elaborados e acompanhados pelo empregador possuidor e responsável pelas diversas instalações existentes no ambiente de trabalho, tendo por base os conhecidos métodos produtivos e a constituição da sua equipe profissional. É dizer, aquele que idealizou, constituiu e que mantém o ambiente laboral é quem possui condições práticas de elaborar e acompanhar de forma efetiva e realista os procedimentos e programas de saúde e segurança, por estar familiarizado com as instalações que compõem o cenário sobre o qual se dá a prestação laboral.
Nesse contexto, em casos de Terceirização de serviços, nota-se que os trabalhadores adentram como verdadeiros estranhos ao ambiente de trabalho da empresa contratante, muitas vezes trazendo consigo métodos de trabalho e funções diferenciadas em relação aos empregados efetivos. Frequentemente enfrentam jornadas exaustivas para compensar, com sua produtividade, as péssimas condições salariais. Obstam inclusive uma programação eficiente de controle de riscos a longo prazo, haja vista a rotatividade da mão de obra terceirizada, contrariando o planejamento prévio necessário para a elaboração dos procedimentos e programas de saúde e segurança.
Não se olvide que, nos termos das Normas Regulamentadoras n.os 04, 05, 07 e 09 do MTE, em caso de Terceirização de serviços, a empresa contratante e a contratada que atuam num mesmo estabelecimento deverão elaborar e implementar, de forma integrada, os procedimentos e programas referentes à saúde e segurança do trabalho. Portanto, na teoria, a empresa contratante deverá adotar medidas necessárias para que as empresas contratadas recebam as informações sobre os riscos existentes nos ambientes de trabalho, a fim de viabilizar a elaboração, em conjunto, desses projetos.
Na prática, contudo, as empresas terceirizadas não reúnem condições técnicas para uma gestão adequada da segurança e saúde ocupacional. Isso porque, como dito, não possuem ciência, com a objetividade e a profundidade necessárias, das peculiaridades das instalações e da organização produtiva da empresa contratante, já que inserem seus trabalhadores como estranhos no ambiente laboral constituído e controlado pela empresa tomadora dos serviços. Ademais, essas empresas prestadoras de serviço não estabelecem um sistema eficiente de comunicação e de troca de informações entre si, em razão da diversificação de empregadores intermediários na organização empresarial. São incapazes de manter a capacitação dos empregados, em decorrência da alta rotatividade da mão de obra terceirizada. Em regra não possuem, ainda, condições financeiras para manter os altos custos que envolvem o planejamento prévio e a execução de medidas de controle dos riscos no ambiente de trabalho.
Em que pese a notável repercussão prejudicial da Terceirização no gerenciamento de ações de proteção da saúde e da segurança do trabalhador, nota-se que essa lamentável tendência de intermediação de mão de obra nas atividades produtivas possui um fundamento bastante definido: as empresas de médio e grande porte estão terceirizando o risco da produção, a fim não apenas de reduzir os custos ordinários da mão de obra, mas também de se livrar dos ônus trabalhistas, previdenciários, civis e quiçá penais que envolvem a falta de segurança no ambiente de trabalho.
            A Terceirização do risco evidencia-se no cotidiano das empresas produtoras por meio da inserção de pequenas outras empresas no ciclo produtivo. Concretamente e a título meramente exemplificativo, é possível citar o caso de multinacionais montadoras de veículos instaladas no sudeste do país, que via de regra “contratam” pequenas metalúrgicas para o fornecimento exclusivo de autopeças detalhadamente encomendadas – fabricadas em tornos mecânicos, prensas e sistemas de soldagem sem qualquer aparato de segurança –, com o declarado objetivo de diminuir os custos da produção e de se eximir dos ônus atrelados a eventuais acidentes de trabalho. Terceirizado o risco, limitam-se confortavelmente a realizar a montagem nas linhas e produção e comercializar o produto final com a marca já consolidada no mercado, ocultando a origem poluída de seus insumos de produção.
Essa temerária – porém frequente – conduta gera um indecifrável prejuízo aos empregados, que ficam entregues à sorte de empresas financeiramente inidôneas, manifestamente incapazes de manter os altos custos da prevenção em saúde e segurança laboral e de arcar com eventuais indenizações por acidentes.  Gera, ainda, um enorme passivo ao Estado, uma vez que, ao fomentar a precarização no ambiente de trabalho, submetem um número elevado de empregados à dependência da Previdência Social.
Portanto, cabe questionar: o postulado da liberdade de contratação, invocado por alguns como fundamento constitucional único à defesa da Terceirização desmedida, é capaz de conferir supedâneo à precarização dos também constitucionais direitos à saúde, à integridade física e à vida do trabalhador?
 Enfim, a discussão da repercussão prática da Terceirização no ambiente de trabalho, instigada de forma breve por este despretensioso artigo, visa contribuir para a elucidação, com contornos concretos, das consequências maléficas desse instituto à saúde e segurança do trabalhador brasileiro.



Antônio Braga da Silva Jr é Auditor-Fiscal do Trabalho e graduado em Direito pela Universidade de Brasília.





[1] Antônio Braga da Silva Jr é Auditor-Fiscal do Trabalho e graduado em Direito pela Universidade de Brasília.
[2] Números extraídos Relatório de Sustentabilidade da Petrobrás. Ano 2013. Disponível em <http://www.petrobras.com.br/pt/sociedade-e-meio-ambiente/relatorio-de-sustentabilidade/>.  Acesso em 24/07/2014.
[3] Dados compilados a partir dos Relatórios de Sustentabilidade da Petrobrás. Anos 2010, 2011 e 2012.
Disponível em <http://www.petrobras.com.br/pt/sociedade-e-meio-ambiente/relatorio-de-sustentabilidade/> Acesso em 24/07/2014.
Ano
n.º de efetivos
Acidentes fatais com efetivos
n.º  de terceirizados
Acidentes fatais com terceirizados
2009
76.919
1
295.260
6
2010
80.492
3
291.606
7
2011
81.918
3
328.133
13
2012
85.065
0
360.372
13

[4] SILVA, Luiz Geraldo Gomes da. Os acidentes fatais entre os trabalhadores contratados e subcontratados do setor elétrico brasileiro. Revista da Rede de Estudos do Trabalho (UNESP), São Paulo, Ano VI, Número 12, 2013.
[5] Composição da força de trabalho e acidentes de trabalho fatais no setor elétrico brasileiro. Fonte: Fundação Comitê de Gestão Empresarial, 2012. Disponível no artigo retroreferido.
Ano
n.º de efetivos
Acidentes fatais com efetivos
n.º  de terceirizados
Acidentes fatais com terceirizados
2003
97.399
14
39.649
66
2007
103.672
12
112.068
59
2011
108.125
18
139.043
61

[6] Artigos 155 e 200 do Capítulo V do Título II da CLT, que fundamentam a existência das Normas Regulamentadoras relativas à Segurança e Medicina do Trabalho, editadas de forma tripartite no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE.

Um comentário:

  1. Deveria ser proibido terceirizar a responsabilidade da saúde e segurança. O risco de acidentes deve ser parte integrante do risco do negócio, ou seja, não deveria ser possível dissociar o lucro da responsabilidade sobre a saúde e segurança.

    Seria possível proibir a terceirização sobre atividades com periculosidade, insalubridade e penosidade? Isto já seria um grande avanço na defesa dos trabalhadores.

    ResponderExcluir