terça-feira, 14 de abril de 2015

TERCEIRIZAÇÃO: opção legislativa, judiciária ou política?



Lília Carvalho Finelli*

Notícias e mais notícias vêm sendo publicadas quando se trata da terceirização. Dentro do âmbito jurídico, já sabemos que o tema é complexo e o debate acirrado. Mas será que os motivos para essa disputa são bem compreendidos por aqueles que serão os mais afetados pelas decisões que estão sendo tomadas sobre o tema?
O próprio conceito de terceirização é um pouco misterioso. Talvez quem o tenha melhor definido seja o professor Márcio Túlio Viana, porque a vem distinguindo em duas formas bem diferentes[1]. Em uma, o trabalhador vira mercadoria. É alugado para prestar serviços dentro de uma empresa, sem dela fazer parte. Na outra forma, a própria empresa é a terceira e produz o que a principal irá utilizar.
Esses dois tipos de terceirização são mesmo diferentes, mas suas consequências podem ser bem próximas. Sem saber dessas diferenças, por vezes nos deparamos com argumentos que confundem suas características. Assim, por um lado, bradam uns:
- “A terceirização é um mal, ela diminui direitos do trabalhador porque o transforma em mercadoria. Por isso, deve ser combatida.”
Por outro, se afirma:
- “Não! É muito boa, afinal, a empresa não pode prestar tantos serviços assim. Tem que ter liberdade para escolher o que quer produzir. O que não quiser, pede a outra empresa para fazer.”
Embora concordemos com a primeira fala, devemos nos questionar se o debate se reduz a saber quem vence essa luta. Muito além da definição que damos à terceirização, há algo que precisa ser compreendido. E isso é o fato de que, em grande parte, a decisão sobre os rumos que iremos adotar para disciplinar a terceirização é política.
A política permeia tudo – mesmo que às vezes nosso desejo seja deixar essas questões outros resolverem. Tanto a aprovação do Projeto de Lei nº 4.330 – ao qual somos totalmente contrários, por transformar o trabalhador em mercadoria – mas também as próprias decisões que nosso Supremo Tribunal Federal está por tomar[2] são posicionamentos políticos, que não envolvem apenas o Direito, e por isso vão além das definições jurídicas que possamos dar a esse fenômeno.
Há infinitas ideias e interesses por trás de cada posicionamento. Muitas pessoas têm um desejo difícil: proteger de verdade o trabalhador. E outras, como é o caso de muitos que apoiam esse projeto de lei, querem prejudicá-lo, valorizando mais o mercado e vendo o ser humano como uma mercadoria semelhante a todas as outras; ou até como uma máquina. Uma máquina que, aliás, reclama, faz greve, se cansa, adoece, quer se reconhecer no fruto de seu trabalho[3]. E esses desejos – típicos daqueles que não são máquinas – incomodam alguns.
Esse incômodo vai se espalhando, tomando força, se transformando em ações reais: projetos de lei, processos e até fraudes. E nos esquecemos de que há uma infinidade de maneiras de prejudicar o trabalhador, da mesma forma que também há para ajudá-lo. Dentro dessas últimas formas, de ajuda, está a tentativa de compreender como nosso sistema político funciona.
A uma primeira vista, pode parecer, com as notícias da imprensa, que o Projeto de Lei nº 4.330 é uma boa ideia; que é único; que traz uma discussão já ultrapassada; que poderia alavancar a economia; que não traria, na prática, grandes mudanças diante do que já vem acontecendo.
A realidade mostra outras faces: proposto por um deputado que defende os direitos dos empregadores, vem circulando desde 2004 na Câmara dos Deputados, agregando mais de seis projetos semelhantes[4]. Isso poderia indicar que nossos deputados federais – nossos representantes – o veem com bons olhos.
No entanto, olhando por outro lado, há mais de uma dúzia[5] de projetos que proíbem expressamente a terceirização em diversos setores – na saúde, nos cartórios, na limpeza e elaboração de merenda escolar, etc –, também tramitando na mesma Casa, além de alguns outros que tentam dar mais direitos aos terceirizados.
A maioria deles se encontra na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos Deputados, diferentemente do PL nº 4.330, agora já aprovado, tamanha sua força política e econômica perto dos demais.
Demonstrando essa diferença de forças, em estudo sobre a relação entre o financiamento de campanha e o voto de cada deputado no PL nº 4.330, Bruno Carazza analisa que podem existir diversas variáveis que influenciaram nessa escolha, como a quantia recebida via doações individuais e a fidelidade de cada representante ao que seu partido escolheu como posicionamento correto[6].
Dessa forma, percebemos que as ideias têm muitas frentes e são diversos os jeitos de aprovar um ponto de vista ou outro, seja por convicção individual ou por seguir a linha coletiva. E assim funciona também no Poder Judiciário, que julgará em breve o tema[7]. Considerando decisões recentes, nosso Supremo Tribunal Federal vem dando indícios de que quer colocar ponto final na questão, abrindo a possibilidade de permitir a terceirização em todas as suas formas – o que consideramos prejudicial ao trabalhador.
Assim, vemos que o pensamento de flexibilizar as relações de trabalho não se restringe a um único projeto de lei ou a apenas um processo. Vai além e abrange ainda outra possibilidade de tratar a terceirização – quem sabe a mais efetiva? Trata-se da formação de seu conceito pela mídia, também a serviço de interesses políticos.
Essa construção jornalística pode ser para o bem e também para o mal. Ao mesmo tempo em que temos hoje acesso a diversas publicações de estudiosos comprometidos com os direitos do trabalhador, há o lado oposto. Por exemplo, mal foi noticiada a decisão do STF que suspendeu todos os processos trabalhistas relacionados ao tema da terceirização através dos call centers[8]. “Quem sabe não seriam poucos esses processos?” – alguém diria. Na verdade, são muitos; dezenas de milhares[9] de trabalhadores que agora esperarão meses para dar continuidade a suas ações, que contêm créditos alimentares, essenciais. Mas esse mal não mereceu da mídia grandes atenções.
Da mesma forma vem se tratando o PL nº 4.330, considerando a discussão como acabada, como se não houvesse qualquer posicionamento contrário dos próprios deputados, o que não é verdade, diante de tantos projetos de lei que proíbem a terceirização.
Por isso, é necessário refletir: as escolhas que feitas nos próximos dias, meses ou anos estão limitadas apenas a saber os conceitos que serão elaborados para configurar as hipóteses de terceirização? Ou conseguiremos ver, além do Direito, escolhas políticas que terão grande impacto no dia-a-dia do trabalhador?


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projetos de lei ligados à terceirização. Disponível em: <http://www.camara.leg.br/sileg/Prop_lista.asp?sigla=PL&Numero=&Ano=&Autor=&OrgaoOrigem=todos&Comissao=0&Situacao=&dtInicio=&dtFim=&Ass1=terceiriza%C3%A7%C3%A3o&co1=+AND+&Ass2=&co2=+AND+&Ass3=&Submit=Pesquisar&Relator=&pesqCompleta=1>. Acesso em: 18 nov. 2014.

PEDIDO de sobrestamento de processos no ARE 791932. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/pedido-sobrestamento-terceirizacao-call.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2014.

RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Que é isto – O Direito do Trabalho? In: PIMENTA, José Roberto Freire et al. (Coords). Direito do Trabalho: evolução, crise, perspectivas. São Paulo: LTr, 2004.

ROVER, Tadeu. Ações sobre terceirização de call center terão de esperar decisão do STF. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-set-24/acoes-terceirizacao-call-center-esperar-decisao-stf>. Acesso em: 18 nov. 2014.

SANTOS, Bruno Carazza. PL da Terceirização: Quem Votou “Sim” e Quem Votou “Não” – Um Exercício de Análise de Dados do Sistema Político Brasileiro. Disponível em: <https://leisenumeros.wordpress.com/2015/04/10/pl-da-terceirizacao-quem-votou-sim-e-quem-votou-nao-um-exercicio-de-analise-de-dados-do-sistema-politico-brasileiro/>. Acesso em: 13 abr 2015.

STF. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 713211 RG), Relator: Min. LUIZ FUX, julgado em 15/05/2014, DJe 06/06/2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ARE%24%2ESCLA%2E+E+713211%2ENUME%2E%29+OU+%28ARE%2EPRCR%2E+ADJ2+713211%2EPRCR%2E%29&base=baseRepercussao&url=http://tinyurl.com/kz7urfd>. Acesso em: 18 nov 2014.

STF. Recurso Extraordinário com Agravo nº 791932. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4517937&numeroProcesso=791932&classeProcesso=ARE&numeroTema=739>. Acesso em: 13 abr 2015.

STF. Repercussão geral: STF discutirá conceito de atividade-fim em casos de terceirização. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=267100>. Acesso em: 13 abr 2015.

STF. Ministro determina sobrestamento de processos sobre terceirização de call center em empresas de telefonia. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=276490>. Acesso em: 13 abr 2015.

VIANA, Márcio Túlio. As várias faces da terceirização. In: Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 54, p. 141-156, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/96/90>. Acesso em: 18 nov 2014.

VIANA, Márcio Túlio. A terceirização revisitada: algumas críticas e sugestões para um novo tratamento da matéria. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 78, n. 4, p. 198-224, out./dez. 2012. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/35819/010_viana.pdf?sequence=3>. Acesso em: 18 nov 2014.

VIANA, Márcio Túlio; DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder Santos. Terceirização: aspectos gerais: a última decisão do STF e a Súmula n. 331 do TST: novos enfoques. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 77, n. 1, p. 54-84, jan./mar. 2011. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/22216/003_viana_delgado_amorim.pdf?sequence=2>. Acesso em: 18 nov 2014.





* Mestranda em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais; pesquisadora/bolsista pela FAPEMIG; advogada; bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG; técnica em Administração de Empresas pela Escola Técnica de Formação Gerencial do SEBRAE/MG.
[1] VIANA, Márcio Túlio. As várias faces da terceirização. In: Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 54, p. 141-156, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/96/90>. Acesso em: 18 nov 2014.
[2] Aqui fazemos referência ao Recurso Extraordinário com Agravo nº 713211, que discute a proibição de contratação de terceiros para a atividade-fim, originado de uma ação civil pública contra uma empresa que cultiva eucalipto para a produção de celulose; e ao Recurso Extraordinário com Agravo nº 791932, que trata da validade da terceirização da atividade de call center pelas concessionárias de telecomunicações. No ARE nº 791932, houve o sobrestamento de todos os processos que discutem a mesma questão da possibilidade de terceirizar a atividade de telecomunicação via os call centers.
[3] Sobre essas ideias, ensina o professor Luiz Otávio Linhares Renault em: Que é isto – O Direito do Trabalho? In: PIMENTA, José Roberto Freire et al. (Coords). Direito do Trabalho: evolução, crise, perspectivas. São Paulo: LTr, 2004. p. 29 e 30.
[4] São eles: PL 5439/2005; PL 6975/2006; PL 1621/2007; PL 6832/2010; PL 3257/2012; PL 7892/2014, todos em trâmite na Câmara dos Deputados.
[5] Na linha contrária do PL nº 4.330, estão os PLs 7235/14, 5894/13, 4115/12, 3433/12, 3257/12, 2641/11 2603, 1783/11, 3219/00, 1299/11, 725/11, 6894/06, 1292/95 e a Proposta de Emenda Constitucional nº 133/2012.
[6] A taxa de fidelidade, nesse caso, foi altíssima, de 80%, nos partidos que não liberaram seus deputados para votarem segundo seu entendimento próprio. Os dados estão disponíveis em: https://leisenumeros.wordpress.com/2015/04/10/pl-da-terceirizacao-quem-votou-sim-e-quem-votou-nao-um-exercicio-de-analise-de-dados-do-sistema-politico-brasileiro/ Acesso em: 13 abr 2015.
[7] Segundo o próprio STF, a fixação de parâmetros para a identificação do que representa a atividade-fim de um empreendimento, do ponto de vista da possibilidade de terceirização, é o tema discutido no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 713211.
[8] Trata-se do ARE nº 791932, que sobrestou o andamento de todos os processos que tratam sobre a terceirização da atividade-fim das empresas de telecomunicações.
[9] O cálculo é do advogado da Contax S/A, e pode ser visualizado aqui: http://s.conjur.com.br/dl/pedido-sobrestamento-terceirizacao-call.pdf

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